Zygmunt Bauman, “seus
netos continuarão pagando os 30 anos da orgia consumista”.
Devolver dinheiro para
bancos não pode ser solução para crise, pois é sua continuação, revela Bauman
em entrevista a Laura Britt e Petros Panayotídis, do Monitor Mercantil,
publicada no dia 20.10.2015 (quinta-feira).
“A metade do problema é o
excessivo consumismo, o esbanjamento que predomina.
E é por isso mesmo que
nenhum provável partido de poder não promete aos seus eleitores que combaterá o
consumismo”, continua o sociólogo polonês, vice-reitor da London School of
Economics, que se define um pessimista a curto prazo em relação ao futuro da
sociedade.
A Grécia e o Sul Europeu
atravessam uma prolongada crise econômica e são atingidos, incessantemente, por
severas medidas de frugalidade.
Qual é a opinião do senhor sobre tudo isto que
está acontecendo?
As medidas são ligadas com
os empréstimos que foram solicitados.
É importante, contudo, alguém verificar
para qual objetivo são utilizados os empréstimos que foram concedidos à Grécia.
Se foram utilizados para recapitalização dos bancos, então, simplesmente,
alimenta-se a raiz do problema e as políticas de frugalidade continuarão
irredutíveis.
As crises econômicas destinam-se não com a destruição de riqueza,
mas com sua redistribuição.
Em cada crise existem sempre alguns que ganham mais
dinheiro em detrimento de outros.
Nos EUA, por exemplo, após a crise observa-se
uma lenta recuperação, mas 93% do Produto Interno Bruto (PIB) adicional criado
beneficiou, somente, 1% da população.
Em seus livros, o senhor
muitas vezes refere-se ao consumismo da atual, pós-nova sociedade.
Em que grau
existe conciliação entre consumismo e medidas de frugalidade?
Após 1970, existiu uma
dominante cultura de poupança e os homens não gastavam dinheiro, a menos que o
tivessem ganho anteriormente.
Após 1970 e com a colaboração de políticos como
Ronald Reagan, Margaret Thatcher e, teóricos com o Milton Friedman (Escola de
Chicago), o sistema capitalista percebeu que, havia terreno virgem que poderia
ser conquistado.
Rosa Luxemburgo foi aquela que havia dito que, ‘o capitalismo
rejuvenesce por intermédio de novas regiões virgens’.
Mas, previu
equivocadamente que, ‘quando o sistema conquistar todas as regiões virgens,
desabará’.
Porém, aquilo que não
previu era que o capitalismo adquiriria a capacidade de criar, tecnicamente,
regiões virgens e apoderar-se delas.
E uma destas são os homens que não têm
dívidas. Assim, foram inventadas as cartas de crédito.
Então, conformou-se uma cultura
diferente daquela de poupança.
Já agora, poderá alguém gastar o dinheiro que
não ganhou ainda.
A fase de grande
crescimento econômico, que durou desde os meados da década de 1970 até o início
do século XXI baseou-se sobre esta pressão para endividamento.
E quando alguém
era devedor a reação dos bancos não era como antigamente, de enviarem o
encarregado de cobrança, mas, ao contrário, enviavam uma carta muito gentil,
com a qual, ofereciam um novo empréstimo, para resgatar o anterior!
Isto prosseguiu durante
três décadas até que Bill Clinton (então presidente dos EUA) introduziu os
empréstimos hipotecados de alto risco, significando que até os homens que não
poderiam cobrir seus gastos poderiam contrair empréstimos habitacionais.
Finalmente, esta situação atingiu o inviável e, assim, foi criada a crise
financeira. Apesar de tudo isso, a economia capitalista parece resistir.
Temos
o exemplo do movimento Ocupem Wall Street, o qual atraiu a atenção da mídia
internacional.
Mas o único lugar em que não foi sentida era a própria Wall
Street, a qual continua funcionando com a exatamente mesma forma!
E este é problema.
Predomina a ideia no cérebro, também, da senhora Angela Merkel (chanceler
alemã) e dos outros políticos, que a única forma é apoiar os bancos para terem
condição de concederem mais empréstimos.
Mas esta é uma política de andar às
cegas, considerando que a região virgem do capitalismo já está esgotada.
Quem
pudesse endividar-se, já endividou-se!
Até, inclusive, os netos de vocês já
estão endividados, não resta dúvida nenhuma.
Eles – seus netos – continuarão
pagando os 30 anos da orgia consumista. E enquanto, no início a região virgem
dos homens que endividavam-se resultava gigantescos lucros, gradualmente, esses
lucros foram reduzidos e agora são mínimos, de acordo com a lei do desgaste de
desempenho.
Aquilo que acontece na Grécia agora é que o país investe em
fantasmas.
Qual é a saída?
Me pedem para responder a
uma pergunta, a qual, homens muito inteligentes, como Stiglitz (Joseph, Prêmio
Nobel de Economia), têm dificuldade para responderem.
É muito difícil serem
encontradas soluções radicais.
E aquilo que me preocupa, é que, entre as
instituições políticas de que dispomos, não existe sequer uma em condição de
proporcionar soluções de longo prazo.
Todos os governos são submissos às – de
acordo com o Dr. R.D.Laing – duplas instituições que, no caso dos governos,
para utilizar uma analogia, são constituídas das pressões que recebem.
Por um
lado para serem reeleitos, devem ouvir as reivindicações do povo – querendo ou
sem querer – e prometerem que irão atendê-lo.
Por outro, todos os governos – de
direita e de esquerda – são incapazes de cumprirem seus compromissos
pré-eleitorais, por causa das bolsas de valores e dos bancos.
Por exemplo, quando a
senhora Merkel e o senhor Sarkozy (Nicolas, então presidente da França)
encontraram-se numa sexta-feira para trocarem idéias sobre o memorando da
Grécia, tomaram e também divulgaram algumas decisões que os fizeram tremer
durante o fim de semana inteiro até abrirem as bolsas de valores na
segunda-feira.
Não sei se a opinião do Dr. Laing está certa ou errada com a
relação a família, mas julgo que tenho razão quando sustento que vigora no caso
dos governos.
O mundo vota por decepção.
Temos cada vez mais frequentes alternativas entre direita e esquerda.
No âmbito
da mesmo crise, o esquerdista Zapatero (José Luis Rordiguez,
ex-primeiro-ministro da Espanha) foi derrotado pelo direitista Mariano Rajoy,
enquanto, na França, o direitista Sarkozy foi derrotado pelo socialista
François Hollande.
Isto, exatamente, é o que quero dizer com o termo duplas
instituições.
Por um lado, a pressão da massa de eleitores e, por outro, o
capital mundial, bolsas de valores e investidores que superam (em poder)
qualquer governo.
Até, inclusive, os EUA
estão superendividados.
Imaginem os credores do governo norte-americano (China
é o maior) exigirem resgate imediato de dívida.
A economia norte-americana
despencará num piscar de olhos.
Em condições de duplas instituições, tanto na
psicologia, quanto na macroeconomia, não existe escape bem-sucedido.
Deve ser
mudado o sistema inteiro desde os alicerces, e isto demanda tempo.
Sim, precisa-se de solução
radical.
Qual é a opinião de vocês sobre os movimentos do Sul Europeu?
Nós
esperamos que os movimentos de base parecem sendo apoiados cada vez mais.
É a
primeira vez em que na Grécia observam-se semelhanças com os meados da década
de 1970, após a queda da ditadura.
Existe um ‘cerrar de fileiras’ dos cidadãos
e julgamos que isto é um muito bom prenúncio e esperançoso.
É a única
esperança.
No Diário de um Ano Mau, o
escritor sul-africano Coetzee reexamina os princípios básicos que ordenam nosso
pensamento, os alicerces de nossa imaginação, que consideram-se fundamentais.
Os aceitamos silenciosamente. Kutsi não tem certeza e diz:
“Se queremos guerra,
teremos guerra.
Se queremos paz, podemos adquiri-la.
Se decidirmos que as
nações devem agir em regime de antagonismos e não de colaboração amigável, isto
será feito”.
Consequentemente, qualquer
mudança é viável.
É questão de vontade política.
Em lugar de empresas privadas,
podemos ter parcerias.
Conforme disse em meu discurso por ocasião de minha
nomeação para o cargo de vice-reitor de LSE (London School of Economics), meu
tema era análise sociológica do movimento trabalhista britânico.
Como desde a
sua decadência no final do século XIX consolidou-se e adquiriu poder no século
XX.
Não aconteceu graças aos bancos e sequer foi financiado por instituições.
Mas foi apoiado pela Associação dos Consumidores Rothschild, que foi a primeira
ASSOCIAÇÃO DE CONSUMIDORES no século XIX.
Seus membros decidiram deixar de
adquirir das lojas, para não terem que pagar os capitalistas, mas, distribuírem
as arrecadações da associação aos seus membros e as comunidades locais.
Rothschild não era o
único, existiam outros, também.
Existiam os fundos de ajuda mútua que, com um
pagamento mínimo, os membros em caso de dificuldades poderiam contrair
empréstimos para não recorrem aos bancos.
Estes fundos não eram especuladores.
E, consequentemente, não são produtos da imaginação de Kutsi, mas é viável o
fato de serem realizadas mudanças.
Mas pressupõem revolução em nível de cultura
e da forma de pensar.
Se, finalmente, a mudança da forma de pensar já começou,
é um lento processo a longo prazo que deve derrotar adversários fortíssimos.
Assim, quando falamos em soluções, o problema maior não é o que encontraremos,
mas, o que é necessário de ser feito.
E nisto podemos conseguir conjugação de
pontos de vista.
A questão é quem o fará.
Talvez os cidadãos
indignados?
Seguramente, não os
partidos políticos de qualquer coloração.
E muito menos os governos, que não
controlam a economia cujas forças são mundiais.
Os Estados, por definição são
obrigados a agirem nos âmbitos de fronteiras físicas e institucionais.
A
economia não ocupa-se mais com o nível local, a legislação da nação, as
preferências ou sistema de valores de seus habitantes.
Assim que for constatado
choque, pegam os laptop, os iPad e iPhones e transferem-se em países como Bangldesh, onde encontram fácil acesso em mão-de-obra que custa US$ 2 por dia.
Existe aquilo que o sociólogo espanhol Manuel Castels denomina ‘espaço dos
fluxos’ (space of flows).
Milhões de dólares são transferidos, apertando apenas
uma tecla no computador.
Assim, então, por um lado temos o poder que é liberado
do controle político e, por outro, temos a política que, incessantemente, sofre o déficit de poder, de vez que, o poder desaparece no ‘espaço dos fluxos’.
O senhor quer dizer que a
política é local, enquanto, o poder é mundial…
Exatamente.
O mais fraco
elo não é a comunidade, a cidade ou qualquer outra forma de localização, mas, o
próprio Estado, que é preso na armadilha entre dois fogos, da nação por um lado
e, dos mercados por outro.
E as iniciativas que vocês mencionaram nascem no
nível subnacional.
As instituições do nível nacional (partidos políticos,
governo, parlamento e outros) não podem enfrentar esta dupla pressão.
Já os
cidadãos, em seu esforço para protegerem-se das consequências destas forças
anônimas dos mercados, reagem de forma tradicional, isto é, organizam-se com
seus conhecidos, vizinhos e todos aqueles com os quais percebem juntos que a
melhoria de seu espaço físico terá repercussão positiva em todos e não é jogo
de antagonismo com vencedores e vencidos.
Fala-se muito nestes dias
sobre redes sociais…
Sabem, enfrento este termo com descrença.
As redes sociais
estão relacionadas com a comunicação e a comunicação engloba, simultaneamente,
a dinâmica da ligação e a dinâmica do desligamento.
Prefiro falar sobre
comunidade, porque este termo contém o sentido do compromisso, algo que não
vigora no caso das redes sociais.
Hoje, qualquer um pode ter centenas de amigos
em uma rede online e, simplesmente, em algum momento, encerrar a comunicação
com alguns, sem ser preciso explicar a razão ou pedir desculpa.
Como poderá ocorrer a
mudança?
Como é possível o sistema do mercado permanecer tão estável em um
ambiente de liquidez generalizada, para utilizar os próprios termos do senhor?
Como lhes disse, não vejo
alguma autoridade capaz de impor algo diferente e, creio que, para existir
passarão décadas, não é algo que surgirá até as próximas eleições.
A única
solução radical que vejo é a consolidação de uma forma de vida, que tornará o
sistema existente fora de uso.
Quer dizer, encerrar-se o ceticismo de alguém
contrair empréstimo para adquirir automóvel ou em nível de Estados, de
recorrerem ao endividamento para reduzirem os tributos para os muito ricos e adotar-se
uma forma de vida que proporcionará – em algum grau – segurança para todos.
Assim, em ambiente semelhante, os especuladores não poderão fazer muito.
Quer dizer uma forma
anticonsumista de vida?
Exatamente.
A metade do
problema é o excessivo consumismo, o esbanjamento que predomina.
E é por isso
mesmo que nenhum provável partido de poder não promete aos seus eleitores que
combaterá o consumismo.
Não falamos, naturalmente, para frugalidade, mas para
mudança da forma de pensar e da forma de vida, com ênfase na satisfação das
necessidades e não a satisfação dos consumidores.
O mundo, então, não esbanja
dinheiro para adquirir diversos gadgets como, por exemplo, você adquirir um
novo telefone celular, enquanto o antigo continua funcionando perfeitamente.
Qual o senhor considera
que será o papel dos intelectuais neste esforço?
O intelectualismo já
tornou-se, também, um produto que vende-se e compra-se e isto vale para todos,
tanto conservadores, quanto progressistas.
Antigamente, vamos dizer na década
de 1930, existiam intelectuais com algum sonho, comunista ou até fascista.
Hoje, os intelectuais com algum sonho são muito poucos.
Esta falta relaciona-se
com a forma de ser e a comercialização do conhecimento?
Os processos da
comercialização, da desregulação, do individualismo caracterizam todos os lados
da atual sociedade.
Assim, não existem mais ‘centros de peso’, pontos de
encontro e ‘fábricas de solidariedade’.
O mundo não tem percebido que vivemos a
revolução industrial. Consequentemente, se agora vivemos uma pós-líquida
revolução, somente seus filhos deverão conscientizar-se.
Tudo é disperso,
líquido.
Isto é excepcionalmente
interessante!
O filósofo greco-francês
Cornélios Castoriádis, quando – por motivo de suas posições radicais – foi
perguntado se sua meta era mudar o mundo, respondeu:
‘Nem pensar. Nunca passou
pela minha cabeça mudar o mundo.
Aquilo que desejo é mudar a humanidade por si
só, a exemplo de como já se fez tantas e tantas vezes no passado’.
Esta é a
ótica de homem otimista.
O senhor concorda com esta
avaliação, em análise final?
Não terei tempo de vê-la,
porque será a longo prazo.
Contudo, espero que o século XXI seja dedicado à
religação de poder e política, dentro de uma ação de silogismo e metas comuns.
A diferença entre posição otimista e pessimista é, pela minha opinião, logicamente
equivocada, considerando que esgota todas as possibilidades.
Quem é o otimista?
Aquele que acredita que o mundo como está aqui e agora, é o melhor possível.
Quem é o pessimista?
Aquele que pensa de que talvez o otimista tem razão.
Existe, também, Castoriádis entre as duas posições, que diz que um outro mundo
é viável e espera que, em algum momento, isto seja realizado.
Quanto a mim, sou
pessimista em curto prazo e otimista em longo prazo.
Não vejo mudanças radicais
muito em breve, mas estou seguro de que estão no programa.
post: Marcelo Ferla
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