Iraquiana sequestrada pelo
Estado Islâmico: 'Fui vítima de jihad sexual'.
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Lamiya
Aji Bashar (à esq.) e Nadia Murad Basee (à dir.) receberam o importante prêmio
Sájarov à Liberdade de Consciência, concedido pela União Europeia.
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As iraquianas Nadia Murad
Basee e Lamiya Aji Bashar foram algumas das centenas de mulheres escravizadas
pelo grupo autodenominado Estado Islâmico.
Uma vez libertadas, elas
se tornaram porta-vozes das vítimas da campanha de violência sexual empreendida
pelos extremistas.
Na semana passada, Nadia e
Lamiya receberam da União Europeia o importante prêmio Sájarov à Liberdade de
Consciência.
Quando integrantes do
grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) invadiram a aldeia de Nadia Murad no
Iraque, mataram todos os homens, incluindo seis de seus irmãos.
Nadia é da minoria étnica
e religiosa yazidi, considerada "infiel" pelos extremistas do EI.
Ela e centenas de outras
mulheres yazidis foram sequestradas, vendidas e passadas de mão em mão por
homens que as estupraram em grupo. Foram vítimas do que o EI chama de
"jihad sexual".
Nadia conseguiu fugir, mas
acredita-se que milhares de mulheres continuem presas.
Nadia Murad está em
Londres em campanha para chamar a atenção para seu povo.
O ataque
Em 3 de agosto de 2014, o
EI atacou os yazidis em Sinjar, região no norte do Iraque próxima a uma
montanha de mesmo nome.
Antes disso haviam atacado locais como Tal Afar, Mosul
e outras comunidades xiitas e cristãs, forçando a saída dos moradores.
"A vida em nosso
vilarejo era muito feliz, muito simples.
Como em outros vilarejos, as pessoas
não viviam em palácios.
Nossas casas eram simples, de barro, mas levávamos uma
vida feliz, sem problemas.
Não incomodávamos os outros e tínhamos boas relações
com todos", contou Nadia ao programa HARDtalk da BBC.
Nesse dia, diz ela, 3 mil
homens, idosos, crianças e deficientes foram massacrados pelo EI.
Alguns conseguiram fugir e
se refugiar no monte Sinjar, mas a aldeia estava longe da montanha e o EI
cercou as saídas.
Perseguidos pelo EI, os yazidis
reverenciam a Bíblia e o Alcorão, mas grande parte de sua tradição é oral
"Rodearam a aldeia
por alguns dias mas não entraram.
Tentamos pedir ajuda por telefone e outros
meios.
Sabíamos que algo horrível iria acontecer.
Mas a ajuda não chegou, nem
do Iraque nem de outras partes."
Depois de alguns dias, o
EI encurralou os moradores na escola da aldeia e ali seus militantes mantiveram
homens, mulheres e crianças.
"Deram-nos duas
opções: a conversão ao Islã ou a morte", disse Nadia.
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Uma
vez libertada, Nadia Murad ganhou refúgio na Alemanha.
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Assassinatos, sequestros e
estupros
Logo separaram os homens,
cerca de 700.
Levaram todos para fora da aldeia e começaram a baleá-los.
Nove
irmãos de Nadia estavam entre eles.
Seis dos irmãos de Nadia
morreram ─ três ficaram feridos mas escaparam.
"Da janela da escola
podíamos ver os homens sendo baleados.
Não vi meus irmãos sendo atingidos.
Até
hoje não pude voltar à aldeia nem ao local da matança.
Não há notícias de
nenhum dos homens."
Segundo Nadia, meninas
acima de nove anos e meninos acima de quatro anos foram levados a campos de
treinamento.
"Depois levaram umas
80 mulheres, todas acima de 45 anos, incluindo minha mãe.
Uns diziam que haviam
sido mortas, outros que não.
Mas quando parte de Sinjar foi liberada
encontrou-se uma vala comum com seus corpos", conta.
Ao todo, 18 membros da
família de Nadia morreram ou estão desaparecidos.
Nadia foi levada com
outras mulheres.
Havia cerca de 150 meninas no grupo, incluindo três sobrinhas
dela.
Elas foram divididas em
grupos e levadas em ônibus até Mosul.
"No caminho eles
tocavam nossos seios e esfregavam as barbas em nossos rostos.
Não sabíamos se
iam nos matar nem o que fariam conosco.
Percebemos que nada de bom iria ocorrer
porque já tinham matado os homens e as mulheres mais velhas, e sequestrado os
meninos."
Ao chegar ao
quartel-general do EI em Mosul, encontraram muitas jovens, mulheres e meninas,
todas yazidis.
Tinham sido sequestradas em outras aldeias no dia anterior.
A cada hora, homens do EI
chegavam e escolhiam algumas meninas.
Elas eram levadas, estupradas e
devolvidas.
Nadia percebeu que esse
também seria seu destino.
Após fugir com ajuda de
uma família muçulmana sem conexão com o EI, Nadia viaja o mundo chamando a
atenção para o drama do povo yazidi.
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Estado
Islâmico controla grandes partes do Iraque e da Síria.
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Sem compaixão
No dia seguinte, um grupo
de militantes do EI chegou.
Cada um escolheu uma menina, algumas entre 10 e 12
anos.
"As meninas
resistiram, mas foram forçadas a ir.
As mais jovens se agarravam às mais
velhas.
Uma delas tinha a mesma idade de minhas sobrinhas, chorava e se prendia
a mim."
Quando chegou sua vez,
Nadia foi selecionada por um homem bem gordo que a levou a outro andar.
Um
outro militante passou e o convenceu a levá-la ─ mas isso não mudou as coisas.
"O homem mais magro
me levou até sua casa, tinha guarda-costas.
Estuprou-me, e foi muito doloroso.
Nesse momento percebi que teria sofrido do mesmo jeito, não importa com
quem."
Nenhum dos homens mostrou
clemência.
Todos estupraram as mulheres de forma violenta.
"As coisas que
fizeram foram horríveis.
Nunca imaginamos que coisas tão terríveis aconteceriam
conosco."
Os extremistas podiam
manter as mulheres por mais de uma semana, porém frequentemente elas eram
vendidas após um dia ou até uma hora.
Algumas mulheres dos
irmãos de Nadia estavam grávidas quando foram capturadas e deram à luz no
cárcere.
Elas também foram levadas
ao tribunal islâmico do EI e forçadas a se converter.
Nadia passou três meses
com o homem que a levou.
Durante esse período conseguiu conversar com alguns
sequestradores.
Embora algumas áreas de
Sinjar tenham sido liberadas, ainda há valas comuns por descobrir
"Perguntei por que
faziam aquilo conosco, por que haviam matado nossos homens, por que nos
estupraram violentamente.
Disseram-me que 'os yazidis são infiéis, não são um
povo das Escrituras, são um espólio de guerra e merecem ser destruídos'".
Ainda que a maior parte
desses militantes fossem casados, as famílias - inclusive as mulheres -
pareciam aceitar o que faziam, disse Nadia.
Em uma ocasião, ela pediu
autorização para fazer uma chamada telefônica porque queria escutar uma voz
familiar.
Disseram que poderia ligar
para seu sobrinho por um minuto, mas com uma condição:
"Que primeiro eu
lambesse o dedo do pé que um homem havia coberto com mel."
Muitas jovens na mesma
situação se suicidaram, disse Nadia, mas essa não foi uma opção para ela.
"Acho que todos
devemos aceitar o que Deus nos deu, sem importar se é pobre ou sofreu uma
injustiça, todos devemos suportar."
Ela tampouco questionou
sua fé.
"Deus estava cada minuto em minha mente, ainda quando estava sendo
estuprada."
Nadia tentou fugir pela
primeira vez por uma janela, mas um guarda a capturou imediatamente e a colocou
em um quarto.
Sob as regras do EI, disse
Nadia, uma mulher se converte em espólio de guerra caso seja capturada tentando
escapar.
Colocam-na em uma cela onde foi estuprada por todos os homens do
complexo.
"Fui estuprada em
grupo. Chamam isso de jihad sexual."
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Yazidis
são perseguidos pelo Estado Islâmico.
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Fuga
Após esse episódio, Nadia
não pensou em fugir de novo, mas o último homem com quem viveu em Mosul decidiu
vendê-la e foi arranjar roupas para ela.
Quando ordenou que ela
tomasse banho e se preparasse para a venda, ela aproveitou para escapar.
"Bati na porta de uma
casa onde vivia uma família muçulmana sem conexão com o EI e pedi ajuda.
Disse
que meu irmão daria o que eles quisessem em troca."
Por sorte, a família não
apoiava o EI e a apoiou inteiramente.
"Deram-me um véu
negro, um documento de identidade islâmico e me levaram até a fronteira."
Agora livre, Nadia Murad
se tornou uma ativista que viaja o mundo fazendo campanha para chamar atenção
para a tragédia dos yazidis.
Segurança
Ela já visitou os EUA,
Europa e países árabes, falou na ONU, conheceu parlamentares e líderes
mundiais.
A resposta, contudo, tem
sido lenta.
"Todos sabem o que é
o Estado Islâmico.
Escutam-me com atenção mas não prometem nada", afirma.
"Dizem que analisarão
o caso e verão o que é possível fazer, mas até agora nada aconteceu",
acrescenta.
Após um ano e meio do
ataque, ainda há mulheres e meninas sequestradas.
A região ainda não foi
completamente liberada.
Nas regiões em que o EI foi expulso, há valas comuns
ainda não descobertas.
Nadia espera voltar a seu
vilarejo para ver o que sobrou e saber do destino dos desaparecidos.
"Juro por Deus que
todos estamos muito cansados.
Já se passou um ano e meio desde que isso nos
aconteceu.
Sentimos que estamos abandonados pelo mundo", disse Nadia, às
lágrimas.
"Mataram minha mãe.
Meu pai morreu faz tempo.
Meu irmão mais velho era como um pai para mim, mas
também foi morto.
Peço ao mundo que faça algo por nós."
post: Marcelo Ferla
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