A jornada ameaçada de
extinção no 'lugar mais quente do mundo'.
Dave
Stamboulis
Da
BBC Travel
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Caravanas
transportam sal ao cair da noite na região de Danakil.
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Fazia 43°C à sombra, mas
Dawit, meu jovem guia, disse que estávamos com sorte - as temperaturas ali
aparentemente podem passar dos 50°C.
Um dos mais remotos locais do planeta, a
Depressão de Danakil, no nordeste da Etiópia, é conhecido como o local inabitado
mais quente do mundo.
A temperatura média anual
é de 34°C e não por acaso, de acordo com Dawit, a região é mais conhecida como
"Portão do Inferno".
Alguém poderia pensar que
o caráter inóspito não faria de Danakil um destino popular para turistas ou mesmo
moradores.
Mas o local é o berço de uma tradição cultural em extinção: as
caravanas de camelos que carregam sal pelo deserto, conduzidas pela tribo
nômade Afar.
Formada pela colisão de
diversas placas tectônicas nas fronteiras de Etiópia, Eritreia e Djibuti, a
Depressão de Danakil não é apenas um caldeirão em ebulição, mas também um local
de maravilhas geológicas.
A maioria dos visitantes
vem em busca do Erta Ale, um vulcão de 600 m que contém o maior lago de lava do
mundo.
A paisagem vulcânica conta
com fontes quentes sulfurosas, leitos de lava e uma mistura de depósitos de
sais e minérios que forma um incrível mosaico de formações e cores.
A tribo Afar vive nessa
paisagem árida lunar há séculos, se mantendo da extração de sal dos muitos
lagos de Danakil.
Assim como os curdos, os afar não têm um país que possam
chamar de seu ou direitos políticos.
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O
vulcão Erta Ale tem o maior lago de lava do mundo.
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Eles são conhecidos por
serem independentes, tenazes e não muito hospitaleiros, talvez refletindo o
terreno inóspito à volta.
Até a ocupação militar
italiana na Segunda Guerra Mundial, os afar costumavam cortar os testículos de
intrusos a título de comitê de recepção.
Isso já não acontece mais, mas há
alguns anos um grupo radical afar sequestrou turistas, forçando uma intervenção
do exército etíope, que hoje patrulha a área.
Dawit nos ajudou a navegar
o terreno acidentado até chegarmos ao lago Assal, no leste de Danakil, onde um
grupo afar termina de carregar seus camelos.
É um trabalho duro: trabalhadores
usam picaretas básicas para cortar blocos de sal sobre o sol inclemente e
recebem o equivalente a apenas R$ 20 por dia.
Mohammed, um jovem pastor
de camelos, aproxima-se para pedir um cigarro.
Entre baforadas, conta que
seu pai costumava cortar 150 blocos por dia, bem mais que a média dos outros
trabalhadores, cuja produção normalmente é de 120 blocos diários.
Mas Mohammed optou por um
trabalho mais fácil, apesar de pagar menos: carregar e conduzir camelos.
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Trabalhadores
de todas as idades estão envolvidos na extração de sal.
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Ele é responsável por uma
cáfila de 15 a 20 animais, cada um carregando 30 blocos de sal - 4 kg a
unidade.
O destino da jornada de 80
km é o povoado de Berahile.
Cada perna do percurso dura de dois a três dias - a
caravana recebe cerca de R$ 450 pela viagem, e a maioria do dinheiro fica com o
dono dos camelos ou é gasto na alimentação dos bichos.
Mas Mohammed consegue
tirar um extra entre as viagens vendendo passeios de camelo para turistas que
visitam o Erta Ale.
As caravanas costumavam
viajar mais e levar sal para distâncias ainda maiores, mas a construção de uma
estrada ligando Berahile ao resto da Etiópia abriu caminho para que caminhões
disputem o transporte.
E mais mudanças estão a
caminho: equipes de construção estão abrindo uma estrada entre Berahile e Hamid
Ela, o povoado que fica mais próximo dos depósitos de sal.
A tradição das caravanas
do sal dos afar pode estar com os dias contados.
post: Marcelo Ferla
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