Ninguém mais fala de amor.
Por: Carpinejar
Ninguém mais fala de um
bicho de estimação fofo na praça, de um bebê nascendo na vizinhança, de um
exibicionista nu na janela. Ninguém mais fala de esperança e da possibilidade
de férias. Ninguém mais fala de amizade.
Ninguém mais fala do fim
do ano letivo dos alunos. Ninguém. O assunto é um só: o medo. Já morei na
alegria do Petrópolis, moro atualmente no medo. A felicidade é alienação em
minha rua.
Fui comprar couve na
fruteira e a dona estava constrangida no balcão, perguntei qual o motivo da
vergonha, Ju disse que seu irmão de 25 anos foi assassinado ao buscar sua
namorada de carro e tentar fugir diante da ação dos assaltantes. Suspirei. Não
consegui resmungar nada. Engoli o meu bom-dia de volta. O riso emagreceu de
doente.
Precisava passar na ferragem
para trocar lâmpadas do corredor. As lâmpadas do corredor sempre queimam
primeiro, estava pensando nesta coincidência, quando vi um tumulto entre os
vendedores. A loja acabara de ser roubada. Dois homens armados renderem os
clientes e os funcionários, esvaziaram o caixa e recolheram os pertences das
pessoas.
Engoli o meu boa-tarde de
volta. Já me sentia espectador de meu velório. Começava a raciocinar que – por
um triz – não estava lá dentro sendo dilapidado. A violência explode tão perto,
que gasto os meus pensamentos me colocando como vítima das situações. Não há
tempo para sorrir. É ranger os dentes e seguir em frente.
Meu celular toca e o amigo
médico Bruno avisa que levaram seu celular e sua carteira, pede que eu passe
números de nossos conhecidos em comum para repor a agenda, apenas repito “Que
horror” e não lamento, esqueço de lamentar, procuro apressar o passo, não posso
ficar distraído e fazer poemas caminhando, não existe trégua para devaneios, é
guerra civil em meu bairro.
Encontro um outro amigo, o
Marcelo, no supermercado e ele nem me cumprimenta, vem com a nova saudação
porto-alegrense:
— Não sabe o que
aconteceu?
— O que aconteceu,
Marcelo?
— Um amigo aproveitou que
estava passeando com o cachorro e deu um pulo no escritório de sua esposa.
Ladrões pegaram o casal, e ele viu sua mulher ser baleada em sua frente por
represália, pois eles não carregavam dinheiro ou coisa alguma no bolso.
Você morre se mostra
resistência. Você morre se não mostra resistência. Não há mais conduta de
defesa.
Os carros marrons dos
brigadianos correm de um lado para outro das nossas ruas como baratas tontas –
são vários os chamados e a gasolina anda cara. Pulam de endereço a endereço,
compulsivamente.
Meu filho entra em casa e
conta que uma mãe de dois filhos recebeu 11 tiros em um ônibus em plena
Protásio Alves – deve ser queima de arquivo. Engoli o meu boa-noite de volta.
Saudade das fofocas e dos
vizinhos enxeridos, hoje somos notícias policiais.
post: Marcelo Ferla
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