MARTHA MEDEIROS - A
capacidade de se encantar
Muita gente diz que adora
viajar, mas depois que volta só recorda das coisas que deram errado. Sendo
viajar um convite ao imprevisto, lógico que algumas coisas darão errado, faz
parte do pacote.
Desde coisas ingratas,
como a perda de uma conexão ou ter a mala extraviada, até xaropices menos
relevantes, como ficar na última fila da plateia do musical ou um garçom
mal-humorado não entender o seu pedido. Ainda assim, abra bem os olhos e veja
onde você está: em Fernando de Noronha, em Paris, em Honolulu, em Mykonos.
Poderia ser pior, não poderia?
Outro dia uma amiga que já
deu a volta ao mundo uma dezena de vezes comentou que lamentava ver alguns
viajantes tão blasés diante de situações que costumam maravilhar a todos.
São os que fazem um safári
na Namíbia e estão mais preocupados com os mosquitos do que em admirar a
paisagem, ou que estão à beira do mar numa praia da Tailândia e não se
conformam de ter esquecido no hotel a nécessaire com os medicamentos, ou que
não saboreiam um prato espetacular porque estão ocupados calculando quanto
terão que deixar de gorjeta.
Não saboreiam nada, aliás.
Estão diante das geleiras da Patagônia e não refletem sobre a imponência da
natureza, estão sentados num café em Milão e não percebem a elegância dos
transeuntes, entram numa gôndola em Veneza e passam o trajeto brigando contra a
máquina fotográfica que emperrou, visitam Ouro Preto e não se emocionam com o
tesouro da arquitetura barroca – mas se queixam das ladeiras, claro.
Vão à Provence e torcem o
nariz para o cheiro dos queijos, olham para o céu estrelado do Atacama sofrendo
com o excesso de silêncio, vão para Trancoso e reclamam de não ter onde usar
salto alto, vão para a Índia sem informação alguma e aí estranham o gosto
esquisito daquele hambúrguer: ué, não é carne de vaca, bem? Aliás, viajar sem
estar minimamente informado sobre o destino escolhido é bem parecido com não
ir.
Estão assistindo a um show
de música no Central Park, mas não tiram o olho do iPad. Vão ao Rio, mas têm
medo de ir à Lapa. Estão em Buenos Aires, mas nem pensar em prestigiar o tango
– “programa de velho!” São os que olham tudo de cima, julgando, depreciando,
como se o fato de se entregar ao local visitado fosse uma espécie de servilismo
– típico daqueles que têm vergonha de serem turistas.
É muito bacana passar um
longo tempo numa cidade estrangeira e adquirir hábitos comuns aos nativos para
se sentir mais próximo da cultura local, mas quem pode fazer essas imersões com
frequência? Na maior parte das vezes, somos turistas mesmo: estamos com um pé
lá e outro cá. Então, estando lá, que nos rendamos ao inesperado, ao sublime,
ao belo. Nada adianta levar o corpo pra passear se a alma não sai de casa.
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