Mujica
faz discurso épico na ONU
Se
o discurso de Dilma na ONU foi emblemático, o de Mujica foi inspirador.
Presidente uruguaio criticou sociedade capitalista, lamentou embargo a Cuba,
colonialismo nas Malvinas e a pobreza na América Latina.
Pepe Mujica discursa na
ONU: “Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos,
carregamos frustração, pobreza e autoexclusão” (Reprodução / UN)
O presidente do Uruguai,
José Mujica, criticou duramente o consumismo durante seu discurso na 68º
Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nesta terça-feira (24/09). “O deus
mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade.
Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos,
carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”, afirmou.
No discurso, que durou 40
minutos, ele também elogiou a utopia “de seu tempo”, mencionou sua luta pelo
antigo sonho de uma “sociedade libertária e sem classes” e destacou a
importância da ONU, que se traduz para ele um “sonho de paz para a humanidade”.
Aos jornais uruguaios,
Mujica prometeu um “discurso exótico” e fugiu do protocolo ao dizer que “tem
angústia pelo futuro” e que nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”.
“Sou do Sul (…) e carrego inequivocamente milhões de pessoas pobres na América
Latina, carrego as culturas originárias esmagadas, o resto do colonialismo nas
Malvinas, os bloqueios inúteis a Cuba, carrego a consequência da vigilância
eletrônica, que gera desconfiança que nos envenena inutilmente. Carrego a
dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, nossos rios, de lutar por
pátria para todos e que a Colômbia possa encontrar o caminho da paz, com o
dever de lutar pela tolerância”.
A humanidade sacrificou os
deuses imateriais e ocupou o templo com o “deus mercado, que organiza a
economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só
para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a
pobreza, a autoexclusão”. No mesmo tom, ressaltou o fracasso do modelo adotado
no capitalismo: “o certo hoje é que para a sociedade consumir como um americano
médio seriam necessários três planetas. Nossa civilização montou um desafio
mentiroso”.
Para o presidente, o atual
modelo de civilização “é contra os ciclos naturais, contra a liberdade, que
supõe ter tempo para viver, (…) é uma civilização contra o tempo livre, que não
se paga, que não se compra e que é o que nos permite viver as relações
humanas”, porque “só o amor, a amizade, a solidariedade, e a família
transcendem”. “Arrasamos as selvas e implantamos selvas de cimento. Enfrentamos
o sedentarismo com esteiras, a insônia com remédios. E pensamos que somos
felizes ao deixar o humano”.
Paz e guerra
“A cada 2 minutos se
gastam dois milhões de dólares em insumos militares. As pesquisas médicas
correspondem à quinta parte dos investimentos militares”, criticou o presidente
ao sustentar que ainda estamos na pré-história: “enquanto o homem recorrer à
guerra quando fracassar a política, estaremos na pré-história”, defendeu.
Assim, criamos “este
processo do qual não podemos sair e causa ódio, fanatismo, desconfiança, novas
guerras; eu sei que é fácil poeticamente autocriticarmos. Mas seria possível se
firmássemos acordos de política planetária que nos garantam a paz”. Ao invés
disso, “bloqueiam os espaços da ONU, que foi criada com um sonho de paz para a
humanidade”.
O uruguaio também abordou
a debilidade da ONU, que “se burocratiza por falta de poder e autonomia, de
reconhecimento e de uma democracia e de um mundo que corresponda à maioria do
planeta”.
“Nosso pequeno país tem a
maior quantidade de soldados em missões de paz e estamos onde queiram que
estejamos, e somos pequenos”. Dizemos com conhecimento de causa, garantiu o
mandatário, que “estes sonhos, estes desafios que estão no horizonte implicam
lutar por uma agenda de acordos mundiais para governar nossa história e superar
as ameaças à vida”. Para isso é “preciso entender que os indigentes do mundo
não são da África, ou da América Latina e sim de toda humanidade que,
globalizada, deve se empenhar no desenvolvimento para a vida”.
“Pensem que a vida humana é
um milagre e nada vale mais que a vida. E que nosso dever biológico é acima de
todas as coisas, impulsionar e multiplicar a vida e entendermos que a espécie
somos nós” e concluiu: “a espécie deveria ter um governo para a humanidade que
supere o individualismo e crie cabeças políticas”.
Assista a íntegra do
discurso de Pepe Mujica:
Marcelo Ferla
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