"Comer uma mulata" não lhe fará menos racista”.
“Deixar de ser racista, meu
amor, não é comer uma mulata!”. A seguir, cinco considerações sobre elogios
racistas
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Charô Nunes, Blogueiras
Negras
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Elogio racista é toda
demonstração de admiração, afetividade ou carinho que se concretiza por meio de
ideias ou expressões próprias ao racismo. Com ou sem a intenção de, que fique
bem claro. Um dos mais conhecidos é o famoso “negro de alma branca” que nossos
antepassados tanto ouviram. Mas não são apenas nossos homens que conhecem muito
bem os elogios racistas. Nós mulheres negras também somos agraciadas com esses
pequenos monstrinhos, usados inadvertidamente por amigos, familiares. Muitas
vezes até por nossos parceiros.
Decidi fazer uma lista com
5 elogios racistas (e sexistas, diga-se de passagem) que muitas de nós
escutamos quase que diariamente. Alguns são consenso, acredito. Outros nem
tanto. Fico aguardando ansiosa para que você, mulher negra, deixe seu
comentário dizendo se também acontece com você.
Se concorda, se discorda.
E sobretudo, o que você faz para deixar bem claro que o elogio racista pode ser
tudo, menos bem vindo e apreciado.
01. “Você é uma morena
muito bonita”
Esse é o elogio racista
que mais escutei em toda minha vida. Minhas primeiras lembranças são do tempo
da escolinha. Mesmo mulheres como Adriana Alves ainda são chamadas de morenas,
pois se acredita que chamar alguém de negra é uma ofensa racial. Se você
precisa se expressar, tente um simples “você é bonita ou atraente”.
Ou ainda
“você é uma negra linda”, o que, dependendo do contexto pode ser tão ruim
quanto.
Mas em hipótese alguma
diga que uma negra é morena, moreninha, morena escura. Que não é negra. Isto
sim é racismo dos graúdos, pura e simplesmente. Quando acontece comigo, digo
que não sou morena e nem moreninha, sou n.e.g.r.a. O bom é que, dependendo de
como essa resposta é dada, a pessoa já se toca que ela não deveria ter começado
o conversê, que simplesmente não estou disponível para esse tipo de diálogo.
Nem com conhecidos, muito menos com estranhos.
02. “Seu cabelo é muito
bonito, posso pegar?”
Há alguns anos atrás, uma
senhora ultrapassou todos os limites de uma convivência pacífica ao se
aproximar de mim, cheia de dedos, me tocando sem permissão e dizendo que eu
tinha uma “peruca muito bonita”. Não retruquei de caso pensado, antecipando seu
constrangimento por jamais ter cogitado que uma mulher negra pudesse ter um
cabelo comprido, ao natural. Minha vingancinha, e sou dessas, foi olhar aquela
expressão de arrependimento por ter percebido o que fez.
Entendo que simples visão
de uma negra com cabelo natural pode ser inebriante. Que persiste a completa
desinformação sobre o nosso cabelo. Porém, isso não justifica o toque sem
permissão. Não importa se é cabelo natural ou não. A menos que você conheça
muito bem a pessoa, não toque em seu cabelo sem consentimento. Eu iria mais
longe. Para mim a boa etiqueta simplesmente reza que não se deve nem mesmo
pedir para tocar o cabelo de uma pessoa desconhecida.
03. “Você tem os traços
delicados”
Dizer que uma negra tem
traços “delicados” muitas vezes tem a ver com a ideia de que será bonita se
tiver uma expressão “fina”, leia-se semelhante a de uma pessoa branca. Como se
determinado tipo de nariz (ou bochechas) fosse exclusivamente dessa ou daquela
etnia. Uma de suas variantes é outra expressão igualmente racista – “você é uma
mulher negra bonita” – algo que ao meu ver é a mesma coisa de dizer que “você é
bonita para uma negra”.
Afinal, qual a dificuldade
de dizer que uma mulher negra simplesmente é… Uma mulher bonita? Porque Alek
Wek tem de ser descrita como uma “mulher negra bonita” enquanto as mulheres
brancas são apenas “mulheres bonitas”? Mais uma vez, toda a sutileza do elogio
racista.
Ele reconhece que você é uma pessoa admirável, mas sempre fazendo questão
de te colocar “no seu lugar”, como se algumas fronteiras jamais pudessem ser
cruzadas.
04. “Você tem a bunda
linda”
Essa é uma opinião que
certamente não é unânime. Faço questão de expressá-la como uma provocação que
representa o pensamento de uma parcela significativa de mulheres negras. Para
muitas de nós, esse comentário expressa a hiperssexualização a que somos
historicamente submetidas como exemplifica a triste biografia de Saartjie,
denominada a Vênus Hotentote, exposta como atração circense em função da
admiração que suas nádegas causaram na Europa do século XIX.
Apesar de todo respeito
que tenho por tudo aquilo que acontece entre duas pessoas, preciso considerar a
tradição racista secular desse tipo de discurso. Trata-se de reduzir a mulher a
um pedacinho do seu corpo, desconsiderar sua humanidade, transformá-la num
pedaço de carne exposto no açougue como aconteceu e acontece diariamente. Meu
conselho é pergunte antes se a mulher a quem você pretende cumprimentar tem a
mesma leitura desse tipo de elogio.
05. “Você é uma mulata
tipo exportação!”
Esse elogio ainda o
tratamento dispensado à mulher negra no seio da senzala, da casa grande. O
pensamento que nos reduz em brinquedos sexuais. Dizer que uma mulher negra é
uma “mulata tipo exportação” é esquecer uma tradição escravocrata secular, que
transforma a mulher negra em “peça” que alcançará boa cotação no mercado onde a
carne mais barata é a nossa. O nome desse mercado é exotificação. Em alguns
casos, hiperssexualização.
Infelizmente também
estamos falando sobre o modo racista com que as mulatas de escola de samba, mulheres
que respeito e admiro, são mostradas e consumidas. Mulheres que levam o samba
no pé, no sorriso, na raça.
Que, ao invés de serem uma referência de beleza,
são vendidas como frutas exóticas na temporada do carnaval.
Mulheres que
recentemente tem sido preteridas por “personalidades da mídia” em nome de uma
pretensa “democracia racial” e muitas vezes com a anuências de algumas
agremiações.
Qual é a sua opinião?
Porém, preciso dizer que
os elogio racistas podem (e devem) subvertidos. Quando o assunto são as mulatas
de quem já falei aqui, isso é bastante evidente. Ser uma mulata exportação
também atesta um padrão de excelência e traduz qualidades como perseverança,
força. Minha professora de dança adora dizer que a graça de uma bailarina é
diretamente proporcional à sua força. Mulatas são a expressão mais concreta
desse enunciado.
Por isso fiz questão de
usar como título desse post, um trecho do poema de Elisa Lucinda, Mulata
Exportação, que resume tudo o que tentei dizer até aqui: “deixar de ser racista,
meu amor, não é comer uma mulata” como muita gente gosta de pensar. E
acrescento,“ opressão, barbaridade, genocídio, nada disso se cura trepando com
uma escura!”. Muito menos tecendo elogios racistas, diga-se de passagem. Quem o
diz é a mulata exportação do poema. Sou eu, somos todas nós que já ouvimos
essas porcarias.
Confesso que essa lista
tem algo de muito pessoal, cujas entrelinhas tem muitas dedicatórias
alimentadas por ironia. Nem por isso menos pertinente. Por isso adoraria ouvir
a opinião de vocês. Esqueci algum elogio racista que te incomoda? Que te fez
espumar de ódio, revirar os zóios e dizer algumas verdades? Você também
acredita que esse tipo de comentário, como tudo aquilo que é racista e
preconceituoso, diz muito sobre a pessoa que o faz do que sobre a pessoa a quem
se destina?
fonte: Charô Nunes - Blogueiras Negras
post: Marcelo Ferla
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