Homens admiráveis.
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Os últimos diálogos:
18:48:34 Co-piloto: "Desacelera, desacelera!"
18:48:40 Piloto: "Não dá, não dá... Ai, meu Deus!"
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MOACYR SCLIAR - As
palavras e o Silêncio
Desde criança tinha um
sonho: queria ser escritor, autor de livros como aqueles que lia (lia, não:
devorava) na escola: as obras de josé de alencar, de machado de assis, de
graciliano ramos. Muito cedo começou a rabiscar historinhas que mostrava com
orgulho para os professores e para os pais. Todos o encorajavam, diziam que
deveria prosseguir, que tinha muito talento. Mas disso ele próprio duvidava. A
verdade é que se sentia muito distante dos grandes mestres.
Não tinha fôlego,
parecia-lhe, para escrever uma obra como as de Shakespeare, autor que admirava,
embora nem sempre o entendesse. Uma constatação que o deixava deprimido. E mais
deprimido ficou quando, a conselho dos pais e dos amigos, começou a estudar
letras.
Quanto mais autores
famosos conhecia, mais se envergonhava de seu próprio trabalho, coisa de simplório
amador. Os seus diálogos, por exemplo, eram fracos, banais, nada que chegasse
aos pés dos diálogos escritos por Shakespeare, diálogos que traduziam todos os
dramas que as pessoas podem viver.
Um dia, e de repente,
ocorreu-lhe uma resposta. Um grande tema, era isso o que lhe faltava. Um tema
que pudesse ser expresso através de diálogos fortes, transcendentes. Mas que
tema poderia ser esse? Na sua própria vida nada acontecia que o motivasse. Era
uma vida tranqüila, sem grandes problemas.
Os pais, ele, advogado,
ela, médica, não eram ricos, mas podiam sustentá-lo confortavelmente. Moravam
numa boa casa, onde ele tinha seu quarto, sua tevê, seu computador.
Nunca passara fome, nem
ele nem a irmã mais velha, que aliás era a companheira, a confidente com quem
podia contar sempre. Nunca tivera doenças graves, era um jovem atlético (jogava
basquete), simpático. Namoradas estavam ao seu alcance à hora que quisesse.
Grandes escritores muitas
vezes são pessoas atormentadas, angustiadas. Não era seu caso. E por essa
razão, era o que achava, não tinha sobre o que escrever. Faltava-lhe uma
tragédia. Então ocorreu o acidente aéreo.
Medonha catástrofe,
dezenas de vítimas. Olhando a tevê, ele, como tantos outros, chorou de emoção.
Ocorreu-lhe escrever uma história a respeito. Uma história que retratasse a
agonia humana numa tragédia como aquela e que a expressasse por meio de
diálogos: entre os passageiros, entre os pilotos.
Sem demora, sentou-se ao
computador. Mas aí viu, sobre a mesa, o jornal daquele dia, com a transcrição
dos últimos diálogos gravados na caixa preta.
Ele os leu, ou melhor,
releu. Eram palavras simples aquelas, palavras que poderiam fazer parte do
cotidiano de qualquer pessoa, mesmo que essa pessoa não escrevesse:
""Desacelera, desacelera!", "Não dá, não dá... Ai, meu
Deus!"
Desligou o computador.
Nada mais havia a ser dito ou escrito. Nesse momento ocorreram-lhe as palavras
daquele distante autor inglês, Shakespeare: o resto é silêncio.
texto de Moacyr Scliar
post de Marcelo Ferla
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