Mulheres admiráveis.
Fernanda Young
Oi, eu estou bem aqui na
sua frente, mas você insiste em não me ver. Tudo bem, opção sua, cada um
enxerga o que quer. O problema é quando você, sem ter idéia de como sou,
resolve dar a sua visão sobre mim. Talvez você não se enxergue também, antes de
mais nada – e assim me tire por parecida contigo. Errando completamente. Para
começar, eu faço questão de ver as pessoas ao meu redor, e isso faz toda a
diferença do mundo. Percebo que todos têm algo de especial, estando aí a graça.
Percebo belezas que não são minhas, estando aí o prazer.
Percebo inclusive você,
parado bem na minha frente, desviando seu olhar para lá e para cá, nervoso com
a minha presença, estando aí o ridículo.
Veja bem, não há o que
temer em mim. Não quero nada que seja seu. E não sou nada que você também não
seja, pelo menos um pouquinho.
Você não precisa gostar de
mim para me enxergar, mas precisa me enxergar para não gostar de mim. Ou
gostar, e talvez seja exatamente isso que você tema. Embora isso não faça
sentido, já que a vida é bela, justamente, quando estamos diante daquilo que
gostamos, certo?
Não vou dizer que não me
irrita essa sua cegueira específica com relação a mim, pois faço de tudo para
ser entendida. Por todos. Sempre esforço-me ao máximo para que isso ocorra,
aliás; então, a sua total ignorância a meu respeito, após todo esse tempo, nós
dois tão perto, mexe, sim, levemente, com a minha paciência.
Se for essa a sua
intenção, porém, mexer com a minha paciência, aviso que anda perdendo sua
energia em besteira, pois um mosquito zumbindo em meu ouvido tem um efeito
semelhante. E, se me dou ao trabalho de escrever esta carta para você, é porque
sei que você também não será capaz de enxergar o que há nela.
Explicando melhor:
preferiria que você me esquecesse, mas até para poder esquecer você vai ter que
me enxergar. Enquanto não me olhar de frente, ao menos uma vez, ao menos por um
segundo, vai continuar assim, para sempre, fugindo sistematicamente da minha
imagem – um escravo de mim, em fuga constante, portanto.
Pode abrir os olhos, vai
ver que não sou um bicho-de-sete-cabeças. Sou bem diferente de você, como já
disse, mas isso é ótimo. Sou melhor que você em algumas coisas, pior que você
em outras – acontece. No que eu for pior, pode virar para outro lado; no que eu
for melhor, cogite me admirar. “Olhos nos olhos, quero ver o que você faz...”*
Sempre quis cantar isso para alguém. “Olhos nos olhos, quero ver o que você
diz...”*
Pronto, um sonho
realizado. Já estou lucrando com a nossa relação, só falta você. Basta ver o
que eu posso lhe mostrar e enxergar o que eu posso ser para você.
* Trechos da música OLHOS
NOS OLHOS, de Chico Buarque
texto: Fernanda Young
post: Marcelo Ferla
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