Precisamos
viver o luto para não vivermos em luto
Por
Marciane Sossmeier
Durante o luto, tudo dói.
Há
dias em que é quase insuportável permanecermos em nós mesmos.
O enlutado vive
uma realidade paralela, enquanto o mundo ao seu redor segue. Imerso no luto,
parece injusto que a vida siga seu rumo lá fora como se um coração não tivesse
parado de bater.
Os carros seguem passando, pessoas tomam café na padaria, há
um lançamento de filme, alguém procurando um sapato novo. Tudo tão incoerente
diante da dor lancinante.
Manifestações de luto
constrangem e questionam uma cultura que supervaloriza o que é relativo à
felicidade.
Nessa situação, um dos aspectos mais importantes é permitir que a
pessoa expresse sua dor e assim, tenha seus sentimentos validados.
Contudo, a dor
do outro tende a nos incomodar e na tentativa de acalmá-lo, utilizamos frases
como “você precisa ser forte” ou “ele está em um lugar melhor agora”.
Se não pudermos chorar, e
até gritar, a dor pela morte de alguém querido perante seu corpo sem vida, em que
outra circunstância será permitido dar voz e espaço para nossas dores?
Os rituais de morte são
essenciais no processo de luto.
São momentos de profunda dor, onde a realidade
confronta o desejo de que quem amamos seja imortal.
São saudáveis as expressões
intensas de sofrimento durante os rituais fúnebres e é fundamental viabilizar
que tais emoções sejam vivenciadas, uma vez que este é o contexto mais adequado
para vivê-las, evitando que crises abruptas e severas aconteçam mais tarde em
situações cotidianas diversas.
O uso de medicamentos
tranquilizantes não é adequado, a menos que seja um caso extremo.
O efeito de
torpor impede que os rituais de despedida sejam vivenciados integralmente.
Naturalmente, a pessoa já está muito confusa e o medicamento a deixará ainda
mais desconexa de suas emoções.
O luto é um período de mudanças e descobertas
de potenciais que nem imaginávamos ter.
Descobrimos como viver sem aquela
pessoa e conviver com a saudade.
É imprescindível o auxílio da família e
amigos, mas, como todo processo íntimo, é individual e solitário.
Uma parte de
nós também morre, mas outra parte nasce para que consigamos nos reorganizar e
dar continuidade à nossa vida.
Após uma perda significativa
é preciso ressignificar a vida para não permanecermos velando aquilo de nós que
perdemos com a morte do outro, mergulhando no chamado luto complicado.
O luto
precisa ser vivido para não vivermos em luto.
Como uma ferida aberta que exige
cuidados, sem recolhimento e o devido zelo, ela não cicatriza, pode infeccionar
e causar outros quadros mais delicados.
O luto também é tempo de
relembrar alegrias e recordar bons momentos.
A elaboração do luto vai
transmutando a dor da saudade.
Ser feliz não implica em não haver nenhuma dor.
Com o tempo, o que era dilacerante, dá espaço ao sentimento de falta
acompanhado de lembranças carinhosas de quem se foi.
post: Marcelo Ferla
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