TRADIÇÃO
E RENOVAÇÃO NA BELEZA – 縁起
Conheci
o Monge Katata como professor de recitação dos sutras e de canto budista.
Tinha
muita dificuldade em cantar aos 60 anos, ainda traumatizado pela frase
disparada pela minha mãe aos seis anos: “Pare menino, não me acompanhe.
Deixe
eu ficar só cantando”.
Foi em 1947, depois da II Grande Guerra, morávamos em
São Paulo.
Só
como budista, passei a entende-la.
Seu único conforto naquelas condições era
cantar e só, coisa que ela mais gostava de fazer desde a infância no Japão,
também sofrida, soube depois.
Sim,
as dificuldades são oportunidades para encontrar a Luz do Buda da
Sabedoria e
Compaixão a iluminar as causas e condições do nosso sofrimento, muitas vezes
encobertas por traumas e bloqueios provindos de pessoas que amamos, e que agem
inconscientemente.
Essa
Luz é também para nos propiciar Encontros Inesperados.
Em ideograma se escreve縁起.
Foi
o encontro com o Katata em Kyoto.
Era jovem – tinha menos de 30 anos - mas
muito rigoroso, sistemático e respeitoso.
Se hoje assumo a tradição do recital
e do canto budista que sustenta o NAMANDABU, como a meditação do Shin-Budismo,
isto se deve a ele como a expressão da tradição renovada na beleza.
Deixe-me
explicar.
Ele
obedecia rigorosamente a tradição pautada pelos sutras e poemas.
Corrigia
qualquer deslize vocal ou musical que eu cometesse com muita atenção,
delicadeza e competência mas sem desculpas, não queria saber dos meus traumas e
bloqueios.
Pudera,
tradição herdada do pai, avô, bisavô e outros antepassados que mantém o Templo
de Shôkakuji, perto de Kyoto.
Nasceu no próprio templo, foi ordenado aos 15
anos.
Formou-se pela famosa Universidade Budista de Ryukoku.
Bem,
depois de dias de instrução severa e rigorosa, aprendi soltar a voz, embora o
ritmo e harmonização fosse sofrível.
Saímos para comemorar, junto com a
companheira dele, a amada Tomo-chan que parecia uma cosplay.
Ele
bebia bem, o que não é novidade para monge japonês.
Ela também e se mostraram
muito alegres, ao contrário das aulas que eram muito disciplinadas.
Perguntei-lhes como se conheceram.
-
Ah, foi num bar. Trabalhava de barman e ela era atendente.
Os
herdeiros dos templos têm a obrigação da sucessão.
Mas até o momento do pai
monge entregar-lhe o bastão, eles têm que se virar, viver por conta própria e
de forma independente.
Eu
mal sabia que os dois estavam vindo ao Brasil.
Aqui ficaram desde 2006,
servindo em vários templos importantes como Presidente Prudente em São Paulo e
Maringá no Paraná.
Só
no Brasil fiquei sabendo que ele é guitarrista e ritmista, gosta de samba e
bossa nova como admira o rock brasileiro.
Retorna
ao Japão no próximo ano para herdar o templo fundado pelos antepassados.
A
esposa dele já está lá e retomou a carreira de ilustradora com muito sucesso.
Já estiveram na nossa Quermesse empolgando a meninada com o seu balanço e
aceitou vir a Brasília para dar aulas de canto, liturgia e etiqueta budistas do
dia 16 a 21 de dezembro deste ano.
Para
mim, ele é o símbolo da renovação da tradição shin-budista pela beleza e
sensibilidade que transpõe barreiras de linguagem e de cultura.
É o marco da
reestruturação organizativa e comunicativa dos ensinamentos budistas.
Benvindo
Katata Sensei, Brasília tem a honra e a alegria de recepciona-lo para você
nunca mais esquecer essa cidade brasileira tão simbólica na longa trajetória
como monge no seu templo secular.
NAMANDABU.
post: Marcelo Ferla
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