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Glenny aponta para tensão entre Danúbia e
Rogério 157, ex-aliado de Nem | Foto: Divulgação/ Ivan Gouveia.
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Danúbia teria sido expulsa
da Rocinha a mando de Rogério, e ambos estão foragidos.
Ela, porém, parece se
manter ativa nas redes sociais, onde, na segunda-feira, em uma conta que
acredita-se ser dela, gabou-se de um perfil publicado no jornal O Globo.
Postou
o link da matéria destacando um trecho que a compara com a personagem Bibi
Perigosa, vivida por Juliana Paes na novela A Força do Querer.
"Viu só
como estou poderzão ainda?", escreveu com um emoji de sorriso escancarado.
Na semana anterior, essa
conta postou um panfleto do disque-denúncia com sua foto e de outras mulheres
procuradas pela polícia, fazendo troça:
"Eu e minha coleguinhas bombando
por aí", diz, ao lado de carinhas chorando de tanto rir.
Glenny diz que Danúbia não
é muito popular na Rocinha, sendo uma "forasteira" que veio da Maré,
complexo de favelas na zona norte do Rio.
Teria autoridade na favela não por
sua personalidade, mas por ser mulher de Nem, tornando-se uma rara liderança
feminina no mundo do tráfico - que lhe rendeu a alcunha de "Xerife da
Rocinha".
Ela é a quarta esposa de Nem - que, segundo Glenny, sempre se
mostrou "muito apaixonado" por ela.
Antes, foi mulher de dois
traficantes na Maré, ambos mortos pela polícia.
Daí também o apelido de
"viúva negra".
No domingo, a Rocinha foi
invadida por dezenas de traficantes de morros como o São Carlos e o Vila
Vintém, favelas controladas, assim como a Rocinha, pela facção criminosa
conhecida como Amigos dos Amigos (ADA).
O bando estaria, a pedido de Nem -
segundo os jornais -, tentando tomar o controle das mãos de Rogério 157, em uma
disputa interna da favela por integrantes da mesma organização.
Glenny, que se encontra em
Londres, diz que segue acompanhando de perto a escalada de violência no Rio e
considera que os governos estadual e federal tem sido "incapazes" de
lidar com a guerra de facções no Rio, que as Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs) só continuam existindo "no papel" e que o envio do Exército
para o Rio "não teve qualquer impacto na redução da criminalidade".
Leia abaixo os principais
trechos da entrevista.
BBC Brasil - O seu livro
narra desde a ascensão de Nem a "dono do morro" até sua prisão em 2011.
Ele agora está em um presídio de segurança máxima em Rondônia - que papel você
acha que ele desempenhou nessa disputa?
Misha Glenny - Citando
fontes da polícia e do sistema prisional, os jornais dos últimos dias têm dado
como certo que Nem comandou a invasão da Rocinha através da Danúbia (Rangel,
sua mulher).
Para mim, isso ainda é uma questão em aberto.
Não digo que não
aconteceu, mas não está comprovado.
Nem continua sendo uma
figura incrivelmente influente e popular na Rocinha, e as pessoas o ouvem muito,
mas não sabemos ainda até que ponto ele está envolvido.
Se a ordem partiu dele,
para quem teria dado a mensagem?
Desde o início do mês ele não teve visitas da
família, e só na terça desta semana foi visitado por seu advogado.
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Danúbia, que
aparece em conta no Facebook que seria sua, é a quarta esposa de Nem | Foto:
Reprodução/Facebook.
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BBC Brasil - Sempre vemos
disputas entre facções rivais no Rio, mas o que parece notável neste caso é que
a disputa é entre integrantes da mesma facção (a ADA).
O que precipitou esse
conflito interno?
Glenny - Na última vez que
estive no Rio, em dezembro, já tinha havido um racha entre Danúbia e Rogério
(Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, sucessor de Nem no comando do tráfico
da Rocinha).
Danúbia havia criado seu próprio bonde e tinha seus próprios
seguranças.
E havia um terceiro protagonista nessa história, o Perninha (Ítalo
Jesus Campos), que era braço direito do Nem e foi assassinado no dia 13 de
agosto (investigações apontam que Perninha planejava tomar a favela a mando de
Nem).
Há indícios de que ele estava se aproximando de Danúbia, queria abrir
suas próprias bocas de fumo, e por isso foi assassinado.
Então antes de se falar em
uma ofensiva comandada pelo Nem a partir da prisão, é preciso considerar que já
havia essa disputa interna dentro da Rocinha.
Havia divisões internas, com
Danúbia aparentemente querendo ter mais protagonismo, e a comunidade se dividindo
sobretudo entre ela e Rogério.
BBC Brasil - Danúbia agora
está foragida e teria sido expulsa da comunidade por Rogério.
Qual é a
importância e o papel desempenhado por ela na Rocinha?
Você a conheceu?
Glenny - Eu conheci
Danúbia. Antônio (Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem) sempre me deu a
entender que é muito apaixonado por ela.
Ela é sua quarta esposa e se tornou
uma figura muito poderosa na Rocinha, embora não seja muito popular na
comunidade.
Sua autoridade vem do fato
de ser casada com Nem, não de sua personalidade.
Ela vem do Complexo da Maré, é
uma forasteira.
E, sobretudo, é uma mulher.
Do ponto de vista sociológico, sua
história é muito interessante.
A tradição no tráfico de drogas no Rio não é
particularmente amigável a mulheres.
E certamente não em posições de liderança.
Então é uma situação incomum.
Claramente havia muita
tensão entre Rogério e Danúbia.
A única coisa que eu ainda não entendi é se
Danúbia estava agindo motivada por sua própria ambição ou se estava
representando de fato o Nem.
Eu suspeito que se trate mais da primeira opção,
mas essa é só uma interpretação minha.
BBC Brasil - Como a
operação da ADA se distingue das outras?
Há muito foco na personalidade dos
líderes, como vemos até hoje na influência da figura de Nem, mesmo que ele
esteja preso desde 2011?
Glenny - A ADA nasceu com
muito sangue, a partir de uma ruptura no Comando Vermelho (CV) nos anos 1990,
que se deu com muitas mortes.
É a mais jovem facção das três (cariocas).
Quando
Nem assumiu o controle da Rocinha, ele adotou o estilo de um de seus
antecessores, o Lulu (Luciano Barbosa da Silva, que chefiou a comunidade antes
dele e foi morto pelo Bope em 2004).
A sua marca foi usar menos
violência e se concentrar mais em corromper a polícia e construir uma rede de
serviços sociais para assegurar o apoio da comunidade.
Essa é uma das marcas da
ADA, mas em outras favelas a facção é mais violenta, por causa das ameaças do
CV e do Terceiro Comando Puro (TCP).
A desvantagem é que a
Rocinha é uma das maiores, senão a maior, distribuidora de cocaína do Rio.
É
muito valorizada e disputada.
Por outro lado, é uma comunidade difícil de
invadir se você não tem apoio interno e um contingente grande o suficiente.
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Segundo jornalista,
Rocinha é uma das maiores, se não a maior, distribuidora de cocaína do Rio.
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BBC Brasil - Nos últimos
dias, moradores da Rocinha disseram que Rogério vinha impondo a cobrança de
taxas por serviços como distribuição de gás, métodos associados a milícias.
Você acha que Nem poderia querer tirá-lo por isso?
Glenny - Como eu disse,
não estou certo de que Nem estivesse ativamente tentando se livrar dele.
Não
temos provas disso ainda.
Mas certamente Nem não aprovaria a troca do modelo
que ele implementou por outro mais adotado pelas milícias, contrariando o que
foi tradição na Rocinha nos últimos 18 ou 19 anos.
Depois de um período muito
violento entre os anos 1990 e o começo dos anos 2000, a Rocinha teve o que os
moradores consideram seus anos de ouro, com o sistema introduzido por Lulu e
seguido e ampliado por Nem.
Rogério não se fez nenhum
favor ao impor novas taxas de pagamento aos moradores, cobrando taxas para
mototaxistas operarem, pela distribuição de gás, por esse tipo de serviço.
Há
muita insatisfação dentro da Rocinha com Rogério e com a maneira como ele vinha
chefiando a favela.
BBC Brasil - Você teve uma
série de conversas com Nem nas entrevistas que deram origem ao seu livro.
Como
o descreve?
Glenny - Eu passei um
total de 31 horas com ele. Nem é uma pessoa que não age espontaneamente.
Ele
pensa muito antes de tomar qualquer decisão e gosta de discutir as opções com
outras pessoas.
Fica ansioso no processo, mas quando chega a uma decisão tende
a levá-la adiante.
Ele é calmo.
Se tivesse tido uma
educação melhor, acho que seria uma empresário bem-sucedido, porque tem carisma
e sabe tomar decisões.
Mas a tese do meu livro é que ele se permitiu ser preso
porque achou excessiva a tensão de ser dono do morro.
BBC Brasil - Você diz que
tem estado em contato constante com moradores da Rocinha.
Que sensação que eles
têm te passado?
Glenny - O sentimento é de
preocupação generalizada.
As pessoas estão extremamente assustadas e
apreensivas.
Não sabem como a situação vai se desenrolar, mas sabem que ainda
não terminou.
Está na natureza dos
conflitos em favelas que, quando eles acontecem, explodem sem aviso prévio.
Podem ocorrer a qualquer hora.
Os períodos de disputas podem ser longos ou
curtos, mas eles geralmente são sangrentos. Isso está na memória coletiva da
Rocinha.
E quando você tem tiroteios dentro de uma favela, as chances de danos
colaterais são enormes.
E o pano de fundo é que,
como todo mundo sabe, o Estado não está funcionando direito.
Isso cria muita
tensão para a polícia.
Nas imagens de domingo, vimos que os policiais da UPP
estavam se escondendo e evitando confronto.
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Esposa de Nem
aparentemente se mantém ativa nas redes sociais e faz piada com sua situação
criminal | Foto: Reprodução/ Facebook.
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BBC Brasil - Que tipo de
mensagem isso transmite para os criminosos?
Glenny - Significa que o
Estado está cedendo o monopólio da violência para os traficantes na favela.
É
difícil não sentir raiva da administração Sérgio Cabral (ex-governador do Rio,
preso em Bangu e condenado nesta semana a 45 anos de prisão por um esquema que
teria movimentado R$ 220 milhões em propina entre 2007 e 2014).
Quando Cabral era
governador, Beltrame (o ex-secretário de Segurança Pública José Mariano
Beltrame) fez um bom trabalho em estabelecer a UPP policial.
E o governo do Rio
falhou consistentemente em investir em uma UPP social.
Esse era o combinado,
com as UPPs você teria a polícia nas favelas e a partir daí incrementaria o
investimento social nas comunidades.
Mas esse investimento
social nunca aconteceu, e isso levou o Estado a perder ainda mais credibilidade
nas favelas.
Atualmente o governo do Estado, do (governador Luiz Fernando)
Pezão, do (secretário de Segurança) Roberto Sá, não tem qualquer credibilidade
dentro das favelas, porque as UPPs já não existem mais, a não ser no nome.
BBC Brasil - Essa crise é
o pano de fundo para o confronto que estamos vendo na Rocinha?
Glenny - Há dois panos de
fundo que precisam ser considerados.
O primeiro é a instabilidade nas relações
entre o Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando Puro (TCP) e a Amigos dos
Amigos (as três maiores facções criminosas do Rio), e o papel que o Primeiro
Comando da Capital (o PCC, fundado em São Paulo) vem desempenhando no Estado.
O PCC está envolvido nessa
luta entre as facções, fornecendo armamentos à ADA e ao TCP.
Você deve lembrar
as rebeliões que explodiram nas prisões neste ano, incluindo decapitações.
Foram fruto de uma disputa entre o PCC e o Comando Vermelho.
E uma das formas
de o PCC atingir o CV é fortalecendo seus inimigos, fornecendo armas para suas
facções rivais no Rio.
O outro contexto
importante é o colapso absoluto das UPPs.
É aqui que vemos o verdadeiro impacto
da falência efetiva do Estado do Rio.
Não há recursos para segurança, e a ajuda
federal, com o envio do Exército para o Rio, não teve nenhum impacto na redução
da criminalidade.
A comunicação entre as lideranças militares e as polícias do
Rio é atroz.
Não há uma estratégia de segurança integrada.
O Rio enfrenta uma crise
econômica e política grave, há enorme tensão em Brasília com a Lava Jato, há o
escândalo da JBS, há tudo isso ao mesmo tempo.
Estamos vendo uma guerra de
facções irromper, que considero ainda pequena - mas as instâncias estaduais e
federais são incapazes de lidar com ela.
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Segundo britânico,
na Rocinha Danúbia é vista como forasteira | Foto: Reprodução/Facebook.
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Tradicionalmente, e
particularmente desde que Nem passou a chefiar a favela em 2005, a Rocinha tem
níveis de criminalidade e homicídio muito mais baixos que outras favelas.
Se as
coisas estão ruins na Rocinha, você sabe que a situação é grave.
BBC Brasil - No ano
passado, quando você esteve na Flip (Feira Literária de Paraty), você
considerou que o Rio não teria problemas de segurança até as Olimpíadas, mas
que depois disso a coisa tendia a piorar.
Glenny - A Olimpíada foi
um buraco negro de atividades corruptas.
Quando a Copa e a Olimpíada passaram,
ficou evidente que o Brasil tinha navegado nos preços altos das commodities sem
fazer melhorias estruturais à economia e ao sistema político.
Então a Olimpíada
pôde ser vista pelo que foi: uma brincadeira muito danosa à cidade do Rio de
Janeiro.
A UPP foi introduzida em
parte para mostrar para o mundo lá fora que o Rio seria uma sede segura para os
jogos.
E muitos diziam que quando a atenção internacional se desviasse, a
situação se deterioraria rapidamente.
E é isso que estamos vendo.
BBC Brasil - Você vê
alguma saída para o problema?
Glenny - No momento, temos
a atuação do Exército no Rio, mas isso não resolve o problema.
A solução é
colocar as finanças do Rio nos trilhos e adotar políticas sérias - na verdade,
acho que o Brasil precisa considerar seriamente a descriminalização e
legalização da posse de drogas por uso pessoal, seguindo o exemplo de outros países
do continente americano.
Isso não vai resolver o
problema do varejo de drogas, mas vai tirar uma quantidade enorme de pressão de
cima da polícia, em um momento em que a polícia precisa de apoio, dada a
instabilidade da situação.
BBC Brasil - Depois de passar
tanto tempo fazendo pesquisa na Rocinha, como você se sentiu ao ver as imagens
dos conflitos nos últimos dias?
Glenny - Não fiquei
surpreso.
Mas fiquei muito entristecido.
E apreensivo por estar longe.
Gostaria
de estar lá para acompanhar melhor o que está acontecendo e tentar comunicá-lo
para o resto do mundo, porque não tem a atenção que merece.
post: Marcelo Ferla
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