Descriminalizar a maconha
não é o suficiente para resolver o problema das drogas no Brasil.
Por Marcelo Gouveia
O assunto, que entrou na
pauta do Supremo Tribunal Federal, ganhou as ruas e especialistas garantem:
liberar o porte de uma droga já é um grande avanço, mas é preciso que mais seja
feito.
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Foto:
Renan Accioly/Jornal Opção.
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Marcos
Nunes Carreiro
Art. 28. Quem adquirir,
guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os
efeitos das drogas;
II – prestação de serviços
à comunidade;
III – medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas
submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas
destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de
causar dependência física ou psíquica.
§ 2º Para determinar se a
droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade
da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação,
às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente.
Esses são os dois
primeiros parágrafos da Lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas.
Começar
esta reportagem com a lei é necessário devido à sua centralidade nas discussões
do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os ministros do Supremo debatem se a lei é
ou não inconstitucional.
Se considerarem que sim, estará descriminalizado no
Brasil o porte de drogas.
Mas drogas no geral?
A lei
diz que sim, mas o julgamento, que começou em agosto, ganhou outro rumo depois
que os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram por
restringir a descriminalização apenas à maconha, mantendo como crime o porte de
outras drogas, como a cocaína e o crack.
A importância do
julgamento, que virou assunto pelo País, está no fato de que o combate às
drogas no Brasil é caro e já custou a vida de muitas pessoas ao longo dos anos.
Fora isso, há os problemas adjacentes, como a violência e questões de saúde
pública.
Porém, se o julgamento é importante, tem sido definido como
insuficiente.
O próprio ministro Barroso já admitiu isso, tanto que propôs que
o STF defina a quantidade de drogas que uma pessoa pode ter consigo para não
ser considerada traficante, visto que a venda continuará sendo crime, mesmo que
o uso e o porte sejam liberados.
O problema, e o ministro
foi criticado por colegas em relação a isso, é que essa deveria ser uma
atribuição do Congresso Nacional e não do STF.
Barroso está errado?
Não, pois
sabe que um debate do tipo, se feito pelo Legislativo, demorará tempo demais e
a questão da liberação parece não esperar.
Contudo, muitos estudiosos do
assunto, mesmo sabendo que a descriminalização feita pelo STF não deverá
solucionar o problema, veem-na como um avanço sem precedentes.
Alguns até acreditam que a
sociedade passará a ter cada vez mais clareza sobre o assunto, que por si só,
passará a pressionar o País por uma liberação total e não apenas do porte e do
uso seja de maconha ou de outra droga.
O fator econômico, por exemplo, tende a
auxiliar.
É o que acha a internacionalista Ana Clara Lima.
Ela afirma que os
avanços no debate devem levar, por exemplo, à liberação da produção do cânhamo
(sem THC), o que deve estimular uma infinidade de setores produtivos: têxtil,
naval (com velas e cordas), alimentício, entre muitos outros.
“Com a quebra do
paradigma de maconheiro, a regulamentação de toda a cadeia produtiva se
aproximará.
Especialmente quando o Brasil perceber o potencial de movimentação
de capital deste mercado”, analisa.
Mas há vários pontos a
serem analisados acerca desta questão.
E, por isso, o Jornal Opção procurou
pesquisadores pelo Brasil para falar sobre o assunto.
São eles: Ana Clara Lima,
formada em Relações Internacionais pela PUC-GO e estudante de Ciências
Econômicas pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Guilherme Borges,
professor e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência da
UFG; Aknaton Toczek, pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e
Direitos Humanos (CESPDH), da Universidade do Paraná (UFPR); e Lucas Maia,
mestre em psicobiologia e pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre
Drogas Psicotrópicas (Cebrid), órgão da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp).
Para Ana Clara, que teve a
guerra contra as drogas como tema de sua monografia do curso de Relações
Internacionais, a votação do STF para a descriminalização da maconha é algo
benéfico, não para a maconha em si, mas para a sociedade.
Isso porque se trata
de um debate que vai além do jurídico, pois é, sobretudo, social.
Isto é,
“vota-se o fim do ‘negro traficante, branco consumidor’”.
Ela afirma que o discurso
da criminalização das drogas é econômico e segregador desde a sua criação:
“Houve um momento em que a maconha era símbolo de imigrantes mexicanos nos EUA.
Depois a cocaína passou a representar os imigrantes colombianos e ainda vimos a
heroína estigmatizar os veteranos de guerra daquele país.
Em terras
tupiniquins, a quantidade de presos por ‘tráfico de drogas’ cresceu 250% desde
a criação da Lei 11.343, em 2006.
Nada melhor do que um inimigo em comum para
doutrinar uma sociedade, não?”.
Sobre a maconha,
especificamente, Ana Clara relata que as pessoas, sobretudo as da atual
geração, se esquecem de que as coisas levam tempo para se concretizar,
especialmente em um país pluricultural como o Brasil.
Assim, a
descriminalização do porte pode ser vista como um avanço, uma vez que já se
trata do passo número 2:
“Na minha compreensão, o
debate acerca da maconha se iniciou com a autorização para o seu uso
terapêutico e medicinal.
Com a descriminalização do porte, estamos expandindo o
debate.
Começamos, agora, a falar para as mães, pais e todos os bons pagadores
de impostos-tomadores de cerveja que não há mal em ascender um cigarro de
maconha ao fim do expediente”.
Contudo, a
internacionalista é assertiva ao dizer que ainda há falhas na abordagem do
assunto, que demanda também uma mudança cultural, afinal, “o cara com a camisa
do Bob Marley continuará não sendo contratado para trabalhar no banco.
Não
acredito em soluções enrijecidas.
Hoje, no contexto atual em que o Brasil está,
acho que é necessário quantificar para igualar.
Assim, o estudante, o advogado
e o engraxate estarão em pé de igualdade ao serem abordados pela, nada
imparcial, polícia.
Mas isso pode não ser necessário em 20 anos e, então,
precisaremos estudar novamente a legislação”.
Outras drogas
E sobre o fator “outras
drogas”?
O debate acerca da maconha abrirá o caminho para a descriminalização
de todas as drogas?
Para Ana Clara, as outras drogas envolvem uma discussão
ainda mais profunda e cita Carl Hart, um neurocirurgião que levantou bastante
polêmica em sua última visita ao Brasil, há algumas semanas, por defender que o
vício excede a substância.
Ela conta: “O PhD norte
americano diz que, se um ser humano está capaz de cumprir as suas funções
sociais e consumir qualquer ‘droga’, a nossa compreensão do problema das drogas
está toda errada e vem daí toda a intolerância.
Infelizmente, o nosso Brasil
ainda não está pronto para este nível de discussão. Mas repito: as coisas levam
tempo.
Os nossos filhos e os filhos deles enxergarão as drogas (sejam elas
quais forem daqui a muitos anos) de uma maneira diferente.
Precisamos lutar
agora para enxergar um reflexo disto no futuro”.
Tal ponto, nos leva à
próxima entrevista.
“A descriminalização é um
passo possível e altamente necessário”
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Pesquisador
do Cebrid-SP, Lucas Maia: “O uso das drogas não é o problema; a forma como ela
é usada sim” | Divulgação/Facebook.
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O mestre em psicobiologia,
Lucas Maia, trabalha no Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas (Cebrid), um órgão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
que desenvolve pesquisas sobre o consumo de drogas desde a década de 1960.
E as
pesquisas vão desde a parte de epidemiologia, para entender as prevalências de
consumo, quanto na parte de pesquisa animal e humanos para testar os efeitos
desse consumo.
O objeto de pesquisa de
Lucas é a cannabis sativa.
No mestrado, ele investigou os efeitos
antidepressivos do THC e do canabidiol.
Sua hipótese, comprovada por meio de
testes em animais, foi a de que haveria uma interação entre essas duas
substâncias, as principais da maconha.
“O canabidiol tem o potencial de modular
os efeitos do THC de forma a favorecer seus efeitos medicinais”, diz.
Agora, o
foco de Lucas tem sido entender quem são as pessoas que fazem uso medicinal da maconha
e como a utilizam.
O Cebrid tem também um
grupo de estudos interdisciplinar, formado por um historiador, um biomédico, um
farmacêutico, fora o professor Elisaldo Carlini, que é médico, e o próprio
Lucas, que é biólogo.
O grupo se chama Maconhabras, nome que faz alusão às
outras instituições brasileiras com o sufixo, como Petrobras e Eletrobras, e
que têm atuações importantes no desenvolvimento técnico e científico do País.
“Nosso objetivo principal
é disseminar informações de cunho científico tanto para analisar aqueles
trabalhos que mostram efeitos positivos, terapêuticos, quanto prejudiciais, de
uso abusivo.
Então, pegamos trabalhos e os analisamos criticamente para
repassar à sociedade em uma linguagem simples.
E temos um boletim semestral, chamado
Boletim Maconhabras”, explica Lucas.
O grupo também promove cursos on-line para
médicos e profissionais de saúde.
A entrevista com Lucas foi
feita tendo como foco a maconha, tanto por sua atuação em relação à droga
quanto pela votação que ocorre no Supremo Tribunal Federal (STF).
O biólogo
respondeu às questões da reportagem, mas com a importante ressalva de que é
importante lembrar, primeiro, que a votação diz respeito à
inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343, que trata, pelo menos a priori,
de todas as drogas e não apenas da maconha.
Dito isso, o pesquisador afirma: “A
descriminalização é um passo possível e altamente necessário”.
Mas descriminalizar o
porte de maconha será suficiente?
Para ele, essa ação não é, por si só,
suficiente para lidar com toda a temática do tráfico, que é o grande problema.
“Existem pessoas que fazem uso problemático de drogas?
Sim, mas não são a
maioria.
Quando comparamos os números de usuários com o de pessoas que se
tornam dependentes, vemos que estes são entre 10% a 30%, dependendo da
substância.
Ou seja, a maioria das pessoas que fazem uso de drogas não chega à
dependência.
Então, o grande problema é o tráfico e tudo que vem como
consequência dele, como violência, corrupção e uma série de fatores indiretos.
A isso, apenas a descriminalização não será suficiente”, diz.
E que tipo de fatores
indiretos são esses?
Lucas cita como exemplo a dificuldade de acesso a
tratamentos de saúde por aquelas pessoas que têm problemas com drogas.
Para
ele, só o fato de o porte ser considerado crime afasta o usuário que tem
problemas do sistema de saúde.
E isso ocorre porque, para conseguir se tratar,
essa pessoa precisa admitir ser usuária.
“Então, a criminalização não apenas
alimenta o problema do tráfico como afasta as pessoas da procura pelo
tratamento de saúde”.
Por isso, ele não acredita
que a legalização apenas da maconha seja o suficiente, pois ajudará a amenizar
o estigma social em relação a esta droga, mas reforçará o preconceito em
relação às outras substâncias, sobretudo, o crack, droga geralmente consumida
por pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Comparações
Não raro, vemos
comparações sendo feitas entre maconha e outras drogas, como crack e cocaína,
com as chamadas drogas legais: tabaco e álcool.
Mas que tipo de relação pode
ser, de fato, traçada entre esses dois pontos?
Lucas diz que uma contraposição
pode, sim, ser feita, afinal, todas são substâncias psicoativas e que têm
efeitos no comportamento.
E é exatamente por isso
que a diferenciação entre legal e ilegal não tem base científica, visto que uma
não é mais ou menos perigosa que a outra.
“Tudo passa por uma questão da
relação que se estabelece entre a pessoa e o uso.
Acontece que os fatores
socioculturais estão muito envolvidos em tudo.
Sabemos que há praticamente um
estímulo, por exemplo, ao uso do álcool”.
Porém, mesmo que haja um estigma
sobre as outras drogas, seu uso não diminuiu; ao contrário, aumentou.
Por quê?
Em parte, devido
a não existência de campanhas educativas em relação ao tema.
E isso, somado ao
fato de ser criminalizado, segundo Lucas, estimula a procura. Sobretudo por
parte de adolescentes, que têm uma tendência maior a transgressões.
“Então,
veja que esse critério de ilegalidade não é suficiente para reduzir a demanda”.
Ele ainda cita pesquisas feitas na Inglaterra e que apontam para um maior dano
gerado pelo álcool, em relação à maconha, tanto ao indivíduo quanto à
sociedade.
Fora isso, continua o
biólogo, “o tabaco tem um potencial de gerar dependência muito mais alto que a
maconha e que o próprio álcool.
Ou seja, as duas drogas com maior capacidade de
dependência e de provocar danos são lícitas”.
Aqui se pode acrescentar: e não
são tão estigmatizantes quanto às outras drogas, como a maconha.
Tal discussão
será mais aprofundada a seguir.
“É preciso tentar um
modelo mais humanizado para saber se ele é melhor que o repressivo”
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Professor
e pesquisador da UFG Guilherme Borges: “Nós sabemos que o modelo de repressão
que copiamos dos EUA fracassou. É preciso experimentar outro” | Foto: Renan
Accioly.
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Para o professor Guilherme
Borges, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Criminalidade e Violência da
Universidade Federal de Goiás (UFG), a descriminalização não resolve a questão
toda por uma série de motivos.
O primeiro deles é que, sendo o uso e o porte de
drogas legal, haverá outro problema, pois a fonte de venda continuará sendo
ilegal.
Nesse ponto, há algumas
propostas para serem discutidas: uma é a do cultivo; outra a da criação de
clubes de consumo coletivo, algo muito parecido com o que é feito no Uruguai.
“Só a descriminalização do porte implica em vários fatores.
Em um primeiro momento,
pode até parecer benéfico, mas há riscos, como a não definição de critérios
objetivos para identificação de quem é traficante e quem é usuário.
O risco é
que muitos usuários sejam tratados como traficantes, já que esses critérios
demorarão a serem definidos”, alerta.
Esse ponto,
especificamente, será discutido pelo professor Aknaton Toczek mais à frente,
mas ele nos leva à questão principal aqui: a falta de definição, somada à
descriminalização da maconha somente, gerará um problema para as outras drogas.
O professor Guilherme explica:
“A maconha não é tão estigmatizante como o
crack, por exemplo. Logo, quem usa crack continuará sofrendo violência e, em
grande parte, devido a fatores exteriores à droga”.
Qual a solução, então?
Para Guilherme, legalizar, de fato, a comercialização e a criação de critérios,
algo que deve ser estudado no Brasil.
“Será um modelo mais terceirizado? De
mercado, como é nos Estados Unidos?
Ou um modelo mais de clube, de cultivo e
uso coletivo como é na Holanda e no Uruguai?
E precisamos saber também de que
forma trataremos as outras drogas”.
Isso não significa, porém,
que a discussão do STF, mesmo que não suficiente para resolver os problemas,
não seja importante.
Guilherme aponta que esse debate levará o País a discutir
o tema de maneira mais complexa em um futuro próximo.
“De todas as drogas que
estão no mercado ilegal, a maconha seja talvez a que provoca, quanto ao uso,
menos alterações nas relações do cotidiano”.
Mas, para isso, é preciso se
atentar quanto aos outros fatores: cultivo, locais de uso etc.
“Estamos fazendo
isso com o cigarro e temos visto uma contínua diminuição em seu uso nos últimos
dez anos”.
E se tudo for liberado?
Essa pergunta é
inevitável.
Como seria se isso ocorresse?
O Brasil precisaria, com certeza,
modificar muitos de seus hábitos e modos de lidar com o tema.
O sociólogo aponta que é
preciso verificar, primeiro, qual o impacto que cada uma dessas drogas pode
causar na sociedade.
Quando isso for feito, “será necessário fazer um controle
de qualidade sobre essa droga.
Por quê?
Hoje, químicos que fazem análises com
as drogas encontradas nas ruas, acham em cocaína e crack, por exemplo,
substâncias como caco de vidro e veneno de rato.
Então, verificar a qualidade
da droga que está sendo vendida já resulta em um processo de redução de danos.
Ou seja, é uma política de saúde imediata, a partir da legalização”, analisa.
Um segundo ponto que
precisa ser levado em consideração é que taxas seriam colocadas sobre a
comercialização desses produtos e revertidas para o processo educativo e também
de tratamento daqueles que, porventura, ficassem dependentes.
“É preciso fazer
as pessoas entenderem que as drogas não são ruins. Se fossem ruins, não haveria
tanta gente consumindo.
Mas quais são os lados positivos?
É isso que precisa
ser mostrado à população, mas não pelo discurso do medo porque ele provoca
outros sentimentos em relação às drogas, inclusive o de quebrar as regras”,
explica.
Impacto social
O impacto social de uma
provável liberação total de todas as drogas não pode ser medido agora.
Porém, é
possível analisar o de outros países.
Guilherme relata:
“Nós sabemos que o
modelo de repressão que copiamos dos EUA fracassou.
Ele mata tanto pessoas envolvidas
com o tráfico quanto policiais.
E quem acaba sofrendo com tudo isso é quem está
na parte de baixo.
O que é preciso, então, é tentar.
Como bem colocou o
ministro Barroso, é preciso experimentar um modelo mais humanizado para saber
se ele diminuirá a violência e o encarceramento”.
“A droga não é o problema
e sim a marginalização social”
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Sociólogo
e professor da UFPR Aknaton Toczek: “O Estado não tem o interesse de controlar
as drogas, mas o de controlar populações”.
Doutorando em Sociologia
pela Universidade do Paraná (UFPR) e pesquisador do Centro de Estudos em
Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH), Aknaton Toczek Souza realizou
recentemente uma pesquisa com juízes, promotores, assessores e estagiários que
trabalham na Justiça Criminal, na cidade de Ponta Grossa-PR, para tentar
identificar como as representações sobre a questão das drogas influenciam na
identificação de quem é o traficante e de quem é o usuário.
Dessa forma, com
base em sua pesquisa, o professor relata que a votação do Supremo Tribunal
Federal (STF) modificará apenas a discussão sobre as drogas, tornando-a mais
ampla socialmente.
Mas, na prática, mudará pouco.
Por quê?
“O usuário não é
preso; o traficante é.
A questão é saber identificar quem é quem.
E essa
diferença é baseada nas representações que não são nem do campo do Direito nem
da área científica.
Muito pelo contrário, são amparadas pelo senso comum, como
noções geo-urbanas e questões educacionais.
É comum encontrarmos nos discursos
dos juízes, por exemplo, que todo usuário de drogas é um potencial criminoso,
exceto se há uma família que lhe dê suporte”, explica.
Ou seja, o traficante
acaba sendo visto como uma figura híbrida que é indicada conforme a sua
periculosidade social, algo que é atrelado a outras características que não a
droga, que passa a ser algo secundário.
E isso pode ser comprovado, segundo o
professor, devido a alguns pontos: o primeiro é que quem geralmente faz a
diferenciação entre traficante e usuário é a polícia, baseada em critérios
subjetivos, uma vez que a Lei 11.343, no artigo 28 parágrafo 2º, não estabelece
uma norma objetiva que separe o traficante do usuário.
“Agora, veja: isso está
ligado às representações que perpassam o sistema de justiça em relação a quem é
o perigoso, algo que não tem ligação com o ato em si, mas com outras
características, como pessoas da periferia, que não têm escolaridade, que são
usuárias de drogas e que não têm trabalho formal. Esses são os elementos.
Fora
isso, há um dado: mais de 90% das prisões feitas pela polícia brasileira é em
flagrante, ou seja, ela sai olhando bandido na rua.
E o bandido é identificado
com base nesses critérios, que são, por sua vez, legitimados pelos juízes”,
informa Aknaton.
O professor conta o caso
de um traficante preso em Curitiba porque entregava a droga a domicílio junto
com sanduíches.
“A pessoa ligava, pedia o sanduíche e recebia a droga junto. E
isso em bairros nobres.
Ou seja, a droga não é o problema e sim a
marginalização social.
A pessoa que cheira cocaína no apartamento não é um problema,
mas aquela que fuma crack na rua sim, porque as questões sociais implicadas ali
a criminalizam”.
Descriminalização
Um ponto interessante
levantado por Aknaton é sobre as drogas anabolizantes.
Segundo ele, mesmo
sendo necessário fazer um levantamento mais profundo, é possível dizer que
parte significativa das mortes de jovens devido ao uso de drogas vem de
anabolizantes, geralmente consumidos em academias.
“E esses jovens utilizam
isso e depois aparecem dando entrevista na televisão, fortes e com um monte de
problemas.
Ou seja, o Estado não tem o interesse de controlar as drogas, mas o
de controlar populações, sobretudo aquelas periféricas.
Descriminalizar é
reconhecer isso”.
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post: Marcelo Ferla
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