"O skate não precisa
da Olimpíada para existir", diz Bob Burnquist.
Referência
do skate no Brasil, Bob visitou Porto Alegre.
Por:
Paula Menezes
|
Foto:
Júlio Cordeiro / Agencia RBS
|
Aos 39 anos, aposentadoria
não é uma palavra que passa pela cabeça de Bob Burnquist.
Considerado a maior
referência do skate no Brasil, o carioca radicado nos Estados Unidos treina no
quintal de sua casa, na Califórnia, onde construiu uma megarrampa com 24 metros
de altura, equivalente a um prédio de oito andares, e 170 metros de
comprimento.
Integrante do Hall da Fama
do skate desde 2010, Bob começou a andar sobre as quatro rodinhas no final da
década de 1980, em São Paulo.
Descobriu seu talento na modalidade vertical e,
desde então, não parou de colecionar conquistas: foi eleito sete vezes o melhor
skatista do ano, tem dez títulos mundiais (dois no Vert e oito na MegaRampa) e
é o maior medalhista da história do X-Games, um dos principais eventos de
esportes radicais do planeta, com 30 pódios.
O frio na barriga ainda é
sentido, mesmo com toda a experiência na carreira.
O skatista adora adrenalina,
é apaixonado por surfe e pilota helicóptero.
Em Porto Alegre para lançar uma
linha autoral de tênis com a Oakley, o atleta atendeu à reportagem de ZH.
Simpático, falou sobre a possibilidade de inclusão do skate na Olimpíada de
2020, em Tóquio, e os principais momentos da carreira.
Confira a entrevista na
íntegra:
Você tem uma megarrampa no
quintal de casa. O que lhe dá mais prazer ao andar nela?
Na verdade, sempre foi um
sonho ter uma pista de skate em casa. Aí eu construí um bowl, que é uma rampa
menor, mas não deixa de ser uma rampa grande. E aí construí looping, e pintou a
oportunidade de construir a mega. Não tem como pensar isso, pegar e falar “um
dia vou ter a megarrampa no quintal”. Foi uma oportunidade que pintou, e a
categoria apareceu e tive a oportunidade de montar. Até hoje, andando, quando
estou em casa, e vou andar na mega, é sempre um sonho. E nunca levo como se
fosse algo normal. Não é normal, é uma benção que muitas pessoas gostariam de
ter. Eu aproveito ao máximo, eu tento andar sempre que possível, meus amigos
vão lá. Acaba que minha casa sempre fica cheia, a galera vem. O pessoal viaja
para poder andar. Não é a única megarrampa, só que a minha é a melhor. Eu fico
muito em cima dela, está sempre afiada.
Ainda dá frio na barriga?
Sim. É natural, é normal.
A megarrampa ela é uma velocidade alta. Você pode se acostumar um pouco, mas
sempre tem que prestar atenção. É uma modalidade de alto risco. Da mesma forma
quando você vai pilotar, andar da paraquedas. Qualquer atividade que você tem
que presta muita atenção, se você vacilar, vai para o chão. Quanto mais se
anda, a curva do aprendizado é maior e o risco diminui. Antigamente, a gente
competia e andava só quando chegava campeonatos, e a galera se machucava muito.
Era tudo muito novo. Depois que ela foi construída em casa, você se acostuma,
aprende a cair. Mas não deixa de dar medo. Até quando tem evento, para chegar
no nível de competição, preciso de um mês, um mês e meio, até dois, para se
acostumar com a altura, com ela.
Tem alguma manobra que
você ainda não fez na megarrampa e quer fazer?
Muitas. O skate é
infinito. A atividade não para. Até construir obstáculos novos, diferentes.
Existem muitas coisas a fazer. E eu continuo aprendendo toda a vez que eu ando.
Eu filmo manobras nova, e aí a probabilidade de acertar é grande. É só querer,
e insistir bastante, que as manobras vêm.
Você tem ideia de quantas
fraturas já teve?
Tenho mais fraturas do que
medalhas (risos). A gente tenta ficar ativo, tenta se fortalecer, alongar, se
preparar fisicamente. Mas as fraturas elas vêm, principalmente em competições.
A última que eu tive foi no punho, e foi durante as competições da megarrampa.
Duas semanas antes de eu competir em casa, eu tive uma lesão no joelho, não foi
fratura, mas foi uma lesão no medial. Que é pior ainda, é mais chato. Aí sofri
muito, competi com ele machucado. A dor e as lesões fazem parte da minha vida.
De fraturas, e obviamente eu conto, são 33 fraturas desde que eu comecei. Mas
eu prefiro fraturar do que lesionar ligamento. Essa do joelho me assustou mais
do que a do punho. No punho, é no meu braço, e eu ando de skate com os pés. E
fratura eu sei que vou voltar rápido. O ligamento não, demora mais tempo.
Você começou a andar de
skate no fim da década de 1980. O que mudou de lá para cá?
Muita coisa mudou. Não só
de mercado, como a evolução do próprio skate, com a qualidade das manobras. A
megarrampa não existia quando eu comecei. Existia a rampa de vertical. O street
começou a se desenvolver com mais técnica. Hoje em dia o street é desenvolvido,
com manobras altamente técnicas. O Luan
Oliveira (skatista gaúcho) é um dos skatistas mais incríveis, independente de
ser brasileiro ou não. Por ser brasileiro, a gente fica mais orgulhoso ainda. É
uma referência mundial, e isso vem do apoio e do incentivo que o skate começou
a ter no Brasil. Anos 1980 era uma época com falta de incentivo, com falta de
compreensão da nossa atividade. O skate era proibido em São Paulo. Coisas que
hoje não necessariamente aconteceriam. Há cidades que não apoiam, que não
colocam uma verba, mas não proibem. Em outras, muitas pistas existem. Não
tinham pistas públicas quando eu comecei a andar. Hoje se espalhou. E o Sul é
muito forte. É o esporte que mais cresce no Brasil. Estamos muito bem.
Existe a possibilidade de
o skate ser incluído na Olimpíada de 2020, em Tóquio. Você apoia?
Não tem diferença para
gente. A Olimpíada é um evento grandioso, que une o mundo com os esportes. A
gente entende isso muito bem. Só que a gente também sabe que essa necessidade é
muito mais da Olimpíada do que nossa. O skate não precisa da Olimpíada para
existir. É difícil até de falar o skate como esporte. É uma atividade, uma
forma de expressão, meu estilo de vida. Eu não preciso ser olimpíco para ser
realizado. É um crescimento? É inevitável? Pode ser. É muito precoce, mas a
conversa está aí. Se fala disso antes, mas começa a se crescer agora.
O que lhe incomoda na
inclusão do skate na Olimpíada?
A minha preocupação maior
é que, quando envolve muito dinheiro, pode dar muita merda. Isso aconteceu no
futebol. O esporte cresce, sim, e tem mais dinheiro, sim, mas começam a ter
situações indesejáveis. Agora, as entidades e organizações têm que tomar
cuidado com quem vai fazer parte disso. Que categoria que vai entrar? Vai ser
street, vai ser bowl, vai ser vert? O skate tem essa disparidade. As pessoas
falam: “o Bob é o melhor skatista do mundo”. Não. Eu ando bem em bowl, vert e
megarrampa, só que eu acho o Luan Oliveira (atleta gaúcho) o melhor skatista do
mundo. Mas é street. Se eu for competir com o Luan no street, nem para a final
eu vou. E se eles forem competir comigo na megarrampa, nem para a final eles
vão. Então, é muito difícil, porque tem muitas categorias.
Você pensa em parar?
Todo mundo morre um dia,
né (risos)...
Você também surfa, pilota
helicóptero. Quais são seus hobbies?
É mais para não bitolar, e
ficar só em cima do skate. Eu amo andar de skate, mas 24h não dá. O corpo não
aguenta. Aí, no descanso, eu preciso exercitar minha mente. Se eu ficar só no
lado físico, eu não evoluo como ser humano. Então o lado de pilotar
helicóptero, avião, veio disso. De eu poder aprender sobre o clima, sobre
mecânica, triangulação, navegação. Tenho muito interesse sobre isso. Adoro ler.
E eu comecei jiu-jitsu há um ano e meio, amo. Me apaixonei. Não consigo ficar
muito sem, e tem me ajudado no alongamento e noção de cair. Eu aguento mais, me
dá resistência para andar de skate. Tudo que eu faço é para evoluir em cima do
meu skate.
Você começou no futebol?
Muito pouco tempo. Meu pai
é americano, minha mãe é brasileira. Eu jogava no Bom Retiro, em São Paulo, a
gente ia lá e jogava. Eu estudava num colégio americano, então joguei beisebol,
handebol, futebol de salão, como toda a criança brasileira. O que aconteceu
foi que eu emprestei uma bola de futebol
para um amigo e ele perdeu. Para mim, tanto faz. E ele falou que tinha um
skate. Como tinha perdido a bola, eu podia ficar com o skate. Eu peguei o skate
e levei para casa. Então foi meio que uma troca, né. Eu sou asmático, e na
época que eu jogava futebol, eu ficava no gol. Eu não tinha medo, mas não
conseguia correr. E eu também não gosto de ouvir o que eu tenho que fazer por
outras pessoas. O técnico vinha me dar orientações, e eu faço o que eu quero. O
skate, o surfe que você mencionou, é tudo muito individual. É uma coisa minha.
post: Marcelo Ferla
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