Elas são musculosas e
podem ser sexy, sim! Ficou surpreso?
O fotógrafo André Arruda
criou, há dez anos, o projeto “Fortia Femina”, no qual clicou fisiculturistas
nuas com o objetivo de mostrar como a mulher na sociedade brasileira é
padronizada. Dez anos depois, o autor planeja lançar o segundo livro do mundo
especializado nesta estética.
“Até que ponto uma mulher
pode ter atributos físicos que remetem ''ao masculino'' sem perder sua
feminilidade?
E por que não poderiam?”. São esses os questionamentos feitos
pelo fotógrafo André Arruda no projeto Fortia Femina, criado em 2004 e, dez
anos depois, em andamento para tornar-se livro.
Nas fotos, mulheres
fisiculturistas tiraram a roupa e posaram como figuras anatômicas
renascentistas, como o De Humani Corporis Fabrica, de Andreas Vesalius, e o
Códex, de Da Vinci.
Em conversa exclusiva, o autor contou para Glamour de onde
saiu essa ideia:
Glamour Brasil: Conta como
surgiu esse projeto e sobre o processo criativo.
André Arruda: Começou em
2004. Estava nos EUA e vi na tv um concurso de bodybuilding, Arnold Classic,
talvez. Até então não sabia que mulheres praticavam musculação naquele nível de
modificação corporal.
Sempre tive a beleza feminina com um dos principais
motivos da minha fotografia e o nu autoral, não comercial, sempre me atraiu.
Fortia Femina é um reflexo do crescente papel da mulher na sociedade
brasileira.
É um sinal do poder cada vez maior da mulher. Escolhi o fundo
branco ao escuro (ou qualquer outro fundo) numa alusão clara às gravuras dos
anatomistas renascentistas, em especial o De Humani Corporis Fabrica, de
Andreas Vesalius, e o Códex,de Da Vinci. O fundo branco é neutro e isento. A
luz é pontual;ilumino o que me interessa, deixando à sombra detalhes íntimos.
Luz e sombra em dialética com o jogo do feminino e do masculino.
Glamour Brasil: E como foi
feita a abordagem das mulheres?
André Arruda: Fortia
Femina é fruto de seu tempo. Apenas duas atletas foram abordadas por amigas
minhas, que fizeram o contato inicial. As outras foram pelas redes sociais.
Começou com o ''falecido'' orkut.
Glamour Brasil: Você viu muito preconceito sofrido
por elas?
André Arruda: ''Sou um
homem: nada do que é humano me é estranho'', frase do poeta romano Publio
Terêncio Afro, cerca de 150 anos antes de Cristo, publicada na comédia
''Heautontimorumenos'', que em grego quer dizer ''O que pune a si mesmo''.
O
que é o tremendo esforço de levantar pesos, dietas radicais e a busca da
hipertrofia muscular simétrica senão uma punição? É um sacerdócio.
As fotos,
além da investigação da beleza muscular feminina, jogam com as noções de
gênero.
Até que ponto uma mulher pode ter atributos físicos que remetem ''ao
masculino'' sem perder sua feminilidade?
E por que não poderiam?
A mulher na
sociedade brasileira é extremamente objetificada e padronizada.
O Brasil é o único país no
mundo em que a nudez feminina numa capa de revista funciona como um diploma de
notoriedade, e ao mesmo tempo, uma mulher não pode fazer topless na praia de Ipanema
sem ''chamar a atenção''. O preconceito nos afeta na medida do desconhecimento
e é uma forma primitiva de proteção. Quem não deve não teme. E só os idiotas
não têm medo. As atletas fisiculturistas são mulheres de coragem. Força,
substantivo feminino.Como autor ouvi várias piadas grosseiras e até emails
agressivos sobre o ensaio. Experimentei essa agressividade que elas
eventualmente recebem. É um sinal positivo que o trabalho tem êxito em
despertar emoções.
Glamour Brasil: Acha que
as mulheres sofrem mais preconceitos do que os homens fisiculturistas?
André Arruda: Penso que
sim. A mulher muscular é um fenômeno recentíssimo. São mulheres insatisfeitas
com o próprio corpo. Todos somos insatisfeitos com a nossa imagem, sempre, mas
o atleta fisiculturista vai além.
É busca do prazer. Alguns exageram, é claro,
mas o nosso erro, cada vez mais alimentado pelas web-neuroses sociais, é crer
que o exagero é a norma.
Somos tediosamente normais. De perto, porém, somos
todos bizarros. O corpo feminino vem mudando, especialmente no Brasil, desde os
anos 80. Agora as mulheres estão com pernas muito grossas, coxas grandes e
definidíssimas, que compõem com os glúteos hipertrofiados. Malham muito o
abdômen e estão com braços maiores. As próteses de silicone são tão normais que
já fazem quase parte da paisagem. Até então estas características pertenciam a
determinadas ginastas ou bailarinas. Não creio que o corpo feminino irá voltar
às formas mais ''delgadas''. O ser humano está maior e mais forte. Gatos e
cachorros vivem muito mais do que há vinte anos.
Glamour Brasil: Em algum
momento essas mulheres se sentem menos sexy?
André Arruda: Pelo
contrário, todas se sentem muito mais ''sexy'' com o corpo muscular. Se
transformaram, como lagartas em borboletas. Hoje o fotógrafo, mais do que
nunca, deve ver o invisível, seja lá o que isso for.
Glamour Brasil: Você acha
que, após criar essa série, conseguiu lançar novos olhares sobre beleza?
André Arruda: Como autor,
me cabe suscitar discussões e os resultados destas não me pertencem. Mas o
retorno sobre as fotos sempre foi positivo, estética e conteúdo.
Glamour Brasil: Fala mais
sobre o projeto no momento.
André Arruda: Fortia
Femina foi concebido para ser livro e exposição. Depois do domínio do fogo, da
invenção da faca e da roda, o livro é o objeto mais sagrado que o homem já
concebeu. Só existe um livro sobre mulheres musculares no mundo e Fortia
Femina - oxalá! - será o segundo, mas em
sua forma, é absolutamente inédito.
É um trabalho 100% financiado por mim, sem
patrocínios ou ajuda externa. Expus doze fotos em 2009 no Centro Cultural
Justiça Federal do Rio de Janeiro, durante o festival FotoRio, felizmente com
excelente repercussão.
Já tenho cerca de cem fotografias editadas e quero
fotografar mais uma ou duas atletas que tenham o corpo trabalhado e não
necessariamente sejam fisiculturistas.
É nu, dificulta um pouco, há um certo
receio em se expor, mas o ensaio, nestes dez anos, fala por si. Até agora
nenhuma empresa se interessou em bancar o projeto, por preconceito, certamente.
Neste semestre finalizo o corpo final de fotografias e vou lançar o projeto em
crowdfunding, o financiamento coletivo, para publicação do livro.
Marcelo Ferla
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