Marcia Tiburi
A questão indígena contra
o ódio, pela democracia.
No dia 5 de abril estive
no lançamento da campanha Índio é Nós que pode ser melhor conhecida no site:
http://www.indio-eh-nos.eco.br/. Apoio pessoalmente a campanha por considerá-la
necessária e urgente diante de violências governamentais e ruralistas contra os
índios do Brasil. A mobilização em nome dos índios e da demarcação de suas
terras é urgente para os próprios índios que vivem humilhados em seu lugar de
origem.
Mas também é urgente para todos aqueles que, de um modo ou de outro, se
dedicam à democracia em nosso país.
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Arte
de André Vallias
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Do respeito aos povos
nativos do Brasil e sua tradição depende toda a nossa história social e
política futura. Os povos indígenas são parte do “Brasil recalcado” que
precisamos repensar hoje em dia. Considerando que vivemos em um país sem
projeto, a questão do desrespeito aos índios e do verdadeiro desprezo que se
percebe em relação à questão indígena, se torna grave.
O que vivemos no momento
presente é efeito de erros passados que não cessam de se repetir no contexto em
que a “terra de ninguém” implica o poder dos mais fortes e mais armados contra
populações indefesas. Lembremos dos alemães que até hoje tem que prestar contas
quanto ao evento do nazismo. Penso que os índios são hoje (como ontem), de
certo modo, como foram os judeus para o nazismo nos anos 40 do século 20 há 70
anos atrás. Compará-los aos judeus no momento do regime nazista é como
compará-los a ciganos, negros ou qualquer outro povo assassinado sob regimes
totalitários.
Os nossos índios são vítimas de um genocídio que avança, de um
etnocídio que se tornou constante cultural da lógica do princípio colonizador
que rege o Brasil e que não cessa de se recriar sob todas as formas mais vis.
Diante do ódio manifesto
por certos grupos e também por indivíduos particulares contra os índios
brasileiros (é impressionante o exemplo da desrespeitosa e antidemocrática
manifestação de deputados ruralistas do Rio Grande do Sul em Vicente Dutra no
ano de 2013 https://www.youtube.com/watch?v=Kfd8ye6aeHc) torna-se urgente
colocar a questão do diálogo que é preciso desenvolver em escala social sobre
os índios, seu lugar, seus direitos sociais. E se torna também urgente a
exigência de respeito para estes povos em que pese o fato de que o discurso do
ódio que se volta para os índios não concebe a necessidade de diálogo.
O
discurso do ódio desconhece a própria Constituição. Ele é autoritário. Respeito
soa apenas como uma palavra frágil diante da violência que se fomenta por meio
desse discurso.
Precisamos prestar atenção
no discurso do ódio. De um lado, ele é, para quem percebe seu teatro, um
discurso histérico, de outro, ele é perigoso, pois para quem não percebe o seu
horror, ele pode até ser empolgante. Fato é que o discurso do ódio serve para
sustentar interesses pessoais e de classe. O problema desse discurso é que,
pelo grito e pela veemência retórica que beiram a histeria, ele se impõe como
verdade mesmo para quem não tem nada a ver com os interesses em jogo. Quero
dizer com isso que quem não pensa reflexivamente no seu conteúdo e na sua forma
pode se deixar levar pelo afeto odioso que ele move porque esse afeto é
prazeroso.
Gostaria mesmo de enfatizar esta questão, pois ela me parece muito
grave em termos de formação de mentalidades.
O ódio pode ser um grande prazer
que é experimentado facilmente pelas pessoas, por massas inteiras. E mesmo quem
não tem nada a ver com a questão indígena na prática – como o ruralista, por
exemplo, que em sua paranoia se vê ameaçado – pode se sentir compelido a odiar
índios, assim como é possível, pelo discurso, fomentar o ódio a negros,
mulheres, homossexuais, pobres, e qualquer “outro” que seja colocado no lugar
do que chamamos “minorias”. O lugar daqueles que não tem direitos. O lugar a
ser repensado se desejamos de fato a democracia.
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Arte
de André Vallias
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Em outras palavras, quero dizer
que aqui no Brasil, mesmo quem não é dono de terras, mesmo quem não tem poder
algum, mesmo quem desconhece totalmente a questão indígena, tem muitas vezes
ódio de índios.
Talvez seja mesmo um problema de mentalidade. E nesse caso, a
nossa mentalidade precisa ser revista porque ela está atravessada por muito
ódio. E o que é o ódio? Ódio é um afeto negativo em relação ao outro. Ele não é
apenas a raiva, nem tão somente a aversão. Ele é efeito do recalque, daquilo
que não se suporta em si mesmo e que é lançado para fora na forma de uma
projeção. É a rigidez do pensamento e da sensibilidade (que são uma só e mesma
coisa) que impede que se veja o outro com melhores olhos.
O fomento ao ódio não pode
ser levado adiante, ele faz mal a todos enquanto destrói a sociedade. O ódio é
o movimento concreto contra aquele que é colocado no lugar de um “outro”
negativo. Aquele que “deve ser eliminado” como vem acontecendo com os nossos
índios.
Não nos sentimos no dever de protegê-los, de apoiá-los, de tentar, com
algum mecanismo democrático – o esclarecimento, por exemplo – fazer com que o
massacre não continue a se repetir?
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Arte
de André Vallias
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Índios sofrem diversos
tipos de violência física e simbólica. Uma rápida busca na Internet fornecerá
muitas notícias sobre a violência contra índios. Entre essas violências,
espanta o número de assassinatos em estados como o Mato Grosso do Sul (conforme
pode ser visto no relatório do CIMI
http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1309466437_Relatorio%20Violencia-com%20capa%20-%20dados%202010%20%281%29.pdf).
Creio que essa violência se torna
simbolicamente forte neste ano em que rememoramos o infeliz Golpe Militar, que
completou seus 50 anos, data que torna emblemática a consciência da violência
estatal contra índios, atualmente muito bem estrutura como descaso,
esquecimento e apoio do governo a quem luta com ódio contra os índios.
Convém entrar no site e
estudar a riqueza da campanha Índio é nós como proposta de informação e
esclarecimento sobre a questão indígena no Brasil atual.
Quem não se interessa
pelo assunto, pode se surpreender. Quem já conhece o assunto, pode se sentir
menos só.
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Arte
de André Vallias
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texto: Marcia Tiburi
post: Marcelo Ferla
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