Filme revela imagens
inéditas dos dias do golpe em 1964.
Longa conta história do
sonho de família do interior destruído pela ditadura.
Renan Ramalho
Do G1, em Brasília
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Militares golpistas se posicionam com tanques diante do
Ministério da Guerra, no Rio (Foto: Jean Manzon/Divulgação 'O outro lado do
paraíso')
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Um conjunto preservado de
filmagens até hoje inéditas dos dias do golpe militar de 1964 poderão ser
vistas pelo público ainda este ano. As imagens, produzidas pelo cinegrafista
Jean Manzon (1915-1990), mostram a tomada do Rio e de Brasília pelas Forças
Armadas entre os dias 31 de março e 1° de abril, e integram o filme de ficção
"O outro lado do paraíso", cujo lançamento está previsto para o
segundo semestre (leia mais abaixo).
ESPECIAL "50 ANOS DO
GOLPE MILITAR": a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961,
desencadeou uma série de fatos que culminaram em um golpe de estado em 31 de
março de 1964. O sucessor, João Goulart, foi deposto pelos militares com apoio
de setores da sociedade, que temiam que ele desse um golpe de esquerda, coisa
que seus partidários negam até hoje. O ambiente político se radicalizou, porque
Jango prometia fazer as chamadas reformas de base na "lei ou na
marra", com ajuda de sindicatos e de membros das Forças Armadas. Os
militares prometiam entregar logo o poder aos civis, mas o país viveu uma
ditadura que durou 21 anos, terminando em 1985.
O G1 assistiu a uma versão
inicial do filme já montado, que inclui as cenas captadas pelas lentes de
Manzon. Elas mostram a agitação popular com tanques cercando o Ministério da
Guerra e a Esplanada dos Ministérios. O avanço dos militares faria o então
presidente João Goulart (1919-1976) a tomar um avião para o Rio Grande de Sul,
levando-o à deposição.
Embora revelados, os rolos
nunca haviam sido projetados e foram encontrados pela produção do filme quase
intactos, sob posse dos herdeiros do cinegrafista, famoso na época por produzir
o "Jornal da tela", noticiário exibido nas salas de cinema antes dos
filmes.
Coprodutor do longa, o
escritor Luiz Fernando Emediato acredita que o próprio Manzon, na época um
documentarista ligado a grupos de oposição ao presidente, tenha mantido as
filmagens em segredo propositalmente.
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No dia 1º de abril,
tanque defende o Palácio da Guanabara, no Rio, onde estava o governador Carlos
Lacerda, opositor de Jango e apoiador do golpe (Foto: Jean Manzon/Divulgação 'O
Outro Lado do Paraíso')
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"Possivelmente, quem
estava filmando nem sabia direito o que era aquilo. Ele filmou de manhã, e
imagino que só quando chegou a noite percebeu que era um golpe. Sendo ele um
homem ligado às forças conservadoras, por que diabos ele ia, uma semana depois,
com aquilo revelado, mostrar a truculência na rua? Falando francamente, o Jean Manzon
autocensurou o seu rico material. E ele ficou dormindo lá 50 anos", diz
Emediato.
Diretor de "O outro
lado do paraíso", o cineasta André Ristum conta que se surpreendeu ao
encontrar o material durante a pesquisa para montagem do longa. Além da
qualidade técnica das imagens, ele destaca o olhar do cinegrafista, que
registrava "com a alma" um evento que, naqueles dias, poucos ainda
entendiam se tratar de um golpe de Estado.
"É um olhar muito
interessado na reação das pessoas. A riqueza do material está nessa observação,
uma coisa bem adequada e bem conectada com a surpresa e a curiosidade das
próprias pessoas. Mas parece que nem ele está entendendo o que está acontecendo
ali", aponta Ristum.
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Tanques ocupam a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, após
a tomada de poder pelos militares (Foto: Jean Manzon/Divulgação 'O Outro Lado
do Paraíso')
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Sonho golpeado
Adaptação de um conto
homônimo e autobiográfico do coprodutor Luiz Fernando Emediato, "O outro
lado do paraíso" (veja imagens do filme mais abaixo) conta a história de
uma família pobre do interior de Minas Gerais que tenta a sorte indo para Brasília
e que, com o golpe militar, vê destruído seu sonho de prosperidade prometido
nas reformas de Jango.
O desejo de enriquecer em
Brasília começa a se desmanchar quando Antonio, sua mulher e os três filhos vão
parar na vizinha Taguatinga, na época uma espécie de cidade-acampamento, onde
viviam em casebres improvisados os operários que erguiam a nova capital do
país.
O pesadelo se torna real a
partir do golpe, quando o pai de família vai preso por se envolver no
sindicalismo, acusado de estar a serviço da instalação do comunismo no Brasil,
principal motivação do temor de grupos conservadores em relação ao governo Jango.
Marcelo Ferla
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