A grama do vizinho é
sempre mais verde?
O relacionamento do outro
é mais feliz que o seu. O trabalho, mais recompensador. Comparações
podem fazer mal, mas existem maneiras de driblar esse sentimento danoso para a
nossa felicidade.
Diogo Antônio Rodriguez
Existe um provérbio muito
popular por aqui e também em países que falam a língua inglesa que diz o
seguinte: "A grama do vizinho é sempre mais verde". A frase serviu
como inspiração para essa capa de vida simples.
O proverbio foi também,
há alguns anos, inspiração - e objeto de estudo -
do psicólogo americano James R. Pomerantz, que resolveu checar, por meio de
vários métodos, como percepção ótica e psicologia,
se a frase é, de fato, verdadeira.
As conclusões de James
Pomerantz são curiosas, para dizer o mínimo. Levando em conta o ângulo que
uma pessoa forma em relação à própria grama e à
do vizinho quando olha, ele deu um jeito de explicar se há realmente uma grama
mais verde do outro lado da cerca.
Qual foi a conclusão do estudioso? Vamos
deixar isso para mais tarde, para o fim do texto. E continuo com outra
pergunta: Realmente importa saber se as pequenas folhas têm coloração
mais intensa aqui ou acolá? E se olhássemos para esse dito popular procurando
entender outras coisas a seu respeito, como, por
exemplo, prestar atenção ao que ele diz sobre
nós?
Sim, inveja
Acharmos que a grama do
vizinho é mais verde do que a nossa é algo que pode ser traduzido em um termo
mais claro: inveja. Sim, olhar para algo que pertence a outra pessoa e nos
sentirmos mal porque ela tem algo, acreditamos nós, melhor do que o que temos.
Ou que não temos. "A definição
budista sobre a inveja é que ela é uma sensação
desagradável que a gente tem quando observa pessoas experimentando prazer,
virtude ou boa sorte", diz o monge Gen Kelsang Tsultrim, professor
residente do Centro de Meditação Kadampa Brasil.
Portanto, uma das
características da inveja é voltar nosso olhar para as outras pessoas focando
em coisas e características delas que gostaríamos de ter. Mas algo na definição
do monge Tsultrim chama a atenção. Se inveja é sentir
desconforto quando outros sentem prazer ou boa sorte, o que isso diz sobre
nós? A grama do vizinho é mesmo mais verde? E por que nos importamos tanto
com esse tipo de coisa?
Segundo o rabino Nilton
Bonder, em seu livro A Cabala da Inveja (editora Rocco), a inveja não só nos
deixa incomodados com as vantagens que alguém recebe, como também nos faz
criar "enormes estruturas de injustiça
em nossas mentes". Além de nos sentirmos mal com o sucesso do outro,
criamos uma explicação do porquê disso ter acontecido com ele e
não conosco.
Deduzimos, inconscientemente, que éramos nós os verdadeiros
merecedores de tais benesses. Nos sentimos deixados de lado, esquecidos pelo
Universo. "O invejoso se sente incompreendido, ele acha que o mundo lhe
deve alguma coisa", explica o psicólogo e escritor Alexandre Bez, autor
de Inveja - O Inimigo Oculto (Juruá Editora). Assim, começamos
a alimentar uma raiva direcionada a quem conseguiu algo que queríamos ter.
Nasce uma inveja.
Justo ou injusto
Pronto, a inveja está ali
instalada, mesmo que a gente ainda não tenha se dado conta disso. E ficamos
matutando, tentando encontrar uma explicação
para aquele incômodo.
A primeira reação é negar esse
sentimento. E construir uma justificativa mais ou mesmo assim: "não é
inveja, mas eu queria tanto aquela (complete aqui com qualquer coisa boa).
Lutei muito por isso, sou aplicado, me esforço,
e justo ele/ela foi conseguir? Realmente não é justo".
Cair nesse raciocínio
não custa muito. O perigoso disso é que, a partir daí, pode-se justificar
muitas coisas danosas para nós e os outros. Afinal, se estamos sendo injustiçados,
temos de nos defender, não é? Mas e se a injustiça
for falsa? E se o Universo não estiver em dívida com a gente? O monge Gen
Tsultrim explica: "Parece que a inveja é causada de fora para dentro:
alguém me fez sentir raiva, alguém me fez sentir inveja". Tal percepção
é, no entanto, enganosa, observa ele. "Na verdade, é um movimento
essencialmente interno e da pessoa que está sentindo, não é de fora",
completa Tsultrim.
O psiquiatra e
psicoterapeuta José Toufic Thomé, membro da Associação
Brasileira de Psiquiatria, destrincha esse percurso interno. "Tenho dois
caminhos: ou ataco meu objeto de desejo, desqualificando, desvalorizando, ou eu
me sinto destruído por aquilo, me consumo na minha inveja. É como aquela
expressão popular `comer o próprio fígado", diz.
Motivos para invejar não
faltam. Três tipos de coisas, aponta o monge Gen Tsultrim, são combustíveis
para esse sentimento: posses, qualidades e o conhecimento.
E o que dizer dos
dias de hoje, quando todos querem expor o que há de melhor em suas vidas? As
redes sociais, tão pródigas em nos conectar e manter informados, são, dessa
forma, um terreno bastante fértil para a semente da inveja.
Um estudo de duas
universidades alemãs - Tur e a Técnica de Darmstadm - mostra o porquê de o
Facebook não querer incluir um botão "descurtir" em sua plataforma.
Seiscentas pessoas foram entrevistadas e um terço
delas (33%) disseram que se sentem inferiores depois de olharem o perfil de
amigos ou colegas. O que mais incomodou, segundo a pesquisa, foram fotos de
férias, de atividades sociais e ficar sabendo de conquistas e do sucesso dos
outros. De acordo com o artigo publicado pelos pesquisadores, "a
disseminação e a onipresença
da inveja nas redes sociais enfraquecem a satisfação
dos usuários em relação a suas vidas".
Faz sentido, já que a
vida dos "conhecidos", até pouco tempo atrás, não era tão
acessível assim. Agora, basta abrir uma rede social para ficar sabendo de tudo
o que os outros querem divulgar: novos empregos, viagens, relacionamentos. O
tempo todo temos um lembrete de como os outros estão, e olhamos para as nossas
vidas e pensamos se não poderíamos estar melhor.
Comparações
A inveja é um sentimento
humano tão antigo que está no Velho Testamento. Um dos exemplos mais famosos
é o de Caim, que matou seu irmão Abel. Segundo conta o texto do livro
Gênesis, Caim ficou furioso porque, quando ambos os irmãos fizeram oferendas
a Deus, apenas a de Abel foi reconhecida. Essa sede por recompensas pode não
ser nova, mas as transformações que o mundo vem
sofrendo desde o século 16 têm
contribuído para que sintamos cada vez mais necessidade de nos comparar aos
outros - e acabamos sofrendo mais por isso.
Mas, afinal, por que nos
comparamos tanto? Comparar é um ato que pressupõe haver algo de similar entre
duas coisas. Por exemplo: Podemos ir a dois supermercados diferentes para saber
quanto cada um cobra pelo quilo do tomate. O preço
pode ser diferente, mas o tomate é,
essencialmente, o mesmo. Não somos tomates, claro, mas esse ato de olhar para
o outro e seu "preço" tem a mesma
lógica: somos basicamente iguais àquela pessoa.
O que nos diferencia, então,
é a "etiqueta" colada em nós.
Para entender melhor o
porquê de nos compararmos, temos de entender que nem sempre as pessoas se
consideravam iguais. Na Antiguidade, por exemplo, até antes da época em que a
Bíblia foi escrita, a noção de igualdade era
diferente da que temos hoje. O filósofo suíço
Alain de Botton mostra que, na Grécia, a desigualdade entre as pessoas era uma
coisa natural. Em seu livro Status Anxiety (em tradução
livre, Ansiedade por status), de Botton relata que o filósofo Aristóteles
(384 - 322 a.C.) via a escravidão como algo normal. "Só no meio do
século 17 é que o pensamento político começou
a contemplar o igualitarismo", escreve. Até então, o mundo era um lugar
dominado por monarquias e aristocracias.
Quando a ideia da democracia começou
a ficar popular pela Europa e América, a noção
sobre as pessoas mudou junto. Antes, pensava-se que as desigualdades entre as
pessoas eram naturais e até justificadas pela religião.
Com o fim desses
regimes políticos, a ideologia passou a ser de oportunidade igual para todos,
já que todos seriam essencialmente iguais.
"Nas democracias, a atmosfera
da imprensa e opinião pública incessantemente sugeria aos servos que eles
poderiam alcançar os cumes da sociedade.
E que poderiam se tornar donos de indústrias, juízes, cientistas ou
presidentes", observa o filósofo. Teoricamente, a partir do momento em
que a democracia se tornou o ideal da sociedade ocidental, qualquer um poderia
ser o que quisesse. Só dependeria do próprio esforço.
Há mais liberdade e, ao
mesmo tempo, menos referências de como devemos viver. O rabino Nilton Bonder
escreve que "quando instituições
e ideologias enfraquecem, não temos em que investir nossas vidas, a não ser
no crescimento pessoal". "Se por um lado este é um movimento
extremamente enriquecedor para a humanidade, por outro pode tornar-se um grande
retrocesso, pois não é difícil encontrarmos verdadeiras multidões que
compreendem erroneamente o investimento pessoal como sendo um verdadeiro bem.
Desejam "ter crescimento, em vez de vivê-lo", afirma Bonder. Alain
de Botton concorda com a ideia: "Só nos consideraremos afortunados quando
tivermos o mesmo que, ou um pouco mais que, as pessoas com quem crescemos,
trabalhamos, somos amigos e nos identificamos na área pública".
Uma busca incessante por
esse sucesso entre nossos iguais nos leva a um ressentimento específico quando
a inveja desfere sua picada. Vivendo entre iguais e nos comparando incessantemente,
vamos nos sentir mal quando olharmos para aqueles que estão mais próximos,
pessoas com quem podemos nos comparar.
A neurociência também
explica
Em um estudo publicado
pela revista Nature, o Instituto Nacional de Ciências Radiológicas do Japão
identificou no cérebro humano a manifestação
dainveja. Usando ressonância
magnética, verificaram que a sensação
provocada é interpretada por nós de maneira similar a uma dor física. Além
disso, notaram que isso só aconteceu quando os 90 voluntários se compararam
com pessoas similares a eles, que tinham recebido algum benefício material ou
de status.
Se invejar é algo,
digamos, natural, como não deixar que nossos desejos individuais se
transformem em um vetor de negatividade apontado para aqueles que estão
recebendo algo bom? Em primeiro lugar, é preciso ter consciência. "O
melhor é reconhecer que estou invejando e aí tentar aceitar esse sentimento:
ter condição de conviver com isso sem me atacar ou
atacar o outro", diz o psiquiatra e psicoterapeuta José Toufic Thomé.
Claro que isso é difícil, mas não devemos fugir e, sim, encarar nossos
sentimentos, por mais obscuros que sejam.
"Apesar de a inveja
ser real, ela não representa necessariamente que desejamos mal à pessoa com
quem tivemos dificuldade de compartilhar a alegria", afirma Nilton Bonder.
E o segredo é simples. "O oposto disso é o regozijo", ensina o monge
Gen Tsultrim. "É uma prática muito encorajada no budismo. É você ficar
feliz quando alguém desfruta prazeres."
Em ídiche, relata Bonder em seu
livro, existe uma palavra para descrever essa
atitude: farinem, que significa "compartilhar prazer".
Compartilhar a felicidade
do outro é deixar de lado nosso egoísmo e considerar o ponto de vista de quem
tem o que comemorar. Em vez de lamentarmos o fato de não sermos agraciados
pela mesma facilidade, melhor é se juntar à festa.
E como fica a pergunta do
início do texto? Afinal, a grama do vizinho é ou não mais verde que a nossa?
Pomerantz descobriu que sim: o jardim do outro lado da cerca brilha com uma cor
mais intensa do que a nossa.
Ao olhar para a nossa própria grama, por entre as
folhas, vemos também a terra marrom, que "dessatura" o verde,
fazendo com que ele fique mais fraco. Quando olhamos para o vizinho, no
entanto, o ângulo não deixa que vejamos a terra, só as folhas, o que
fortalece a percepção do verde.
A grama do vizinho é
sempre mais verde pelo mesmo motivo que a vida dos outros parece, não
raramente, melhor do que a nossa: porque estamos presos ao nosso próprio ponto
de vista. Sempre haverá algo que pareça
melhor, mais bonito ou ainda mais colorido. Temos é de aceitar as nossas bênçãos
para não perdê-las de vista.
Talvez o nosso vizinho não concorde conosco.
Será que se perguntarmos a ele, vai achar que a grama dele é tão verde
assim? Será que não vai achar que a sua é a mais verde?
Diogo Antonio Rodriguez é
jornalista e cientista social, escreve para vida simples há dois anos e assina
nossa seção de música.
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