Mulheres Admiráveis.
texto postado em 24/02/2013
Fernanda
Torres – Orelhas não tem pálpebras.
Tenho horror a
barulho. Só consigo raciocinar com a casa em silêncio. Até a música me
incomoda, um traço de personalidade do qual não guardo o menor orgulho.
E não há nada que me
enerve mais do que o volume abrupto do horário comercial e das chamadas da
programação de TV. Os cling, cong, pãpãpãs e tátátátás. Sou o gatilho mais
rápido do oeste para acionar o botão do mute.
Sei de cor sua localização nos
mais diversos controles remotos e gostaria de dar um prêmio ao gênio que
inventou o atalho.
Assim como 80% da
audiência nacional, acompanhei de boca aberta a saga de Carminha e cia., haja
maldade humana, mas toda vez que o oi, oi, oi, oi… gane, anunciando o intervalo,
minha espinha se eriça e o dedo corre para o botãozinho analgésico.
Conjecturei com meu esposo
a respeito desse ataque-surpresa ao ouvinte desavisado e ele me explicou que a
prática tem um nome: stopping power.
Trata-se da capacidade que um reclame, ou
inserção que seja, tem de prender a atenção do desatento. O objetivo é evitar
que o ser humano vá até a cozinha, ao banheiro, brinque de boneca, leia,
converse e se esqueça de olhar a TV.
Consultei o oráculo. A
Wikipédia afirma que a origem do termo é bélica. Stopping power “representa o
poder que um calibre de arma de fogo possui para pôr fora de combate um
oponente atingido com um único disparo, preferencialmente sem necessidade de
matá-lo”. Curioso que a expressão tenha sido adotada pelo entretenimento e pela
propaganda e que a vítima dos cucunssss, quequéuns, plunct, plact e zooms seja
o espectador.
O som é o mais invasivo
dos sentidos, orelha não tem pálpebra.
O plim-plim da Globo é
agudo e penetra nos tímpanos até as zonas mais primitivas do cerebelo, mas não
deixa de soar gentil.
A onda de cinema
apocalíptico da virada do milênio, com títulos como Armageddon, Vulcano e 2012,
causou a surdez precoce em muita gente. Do meio dessas películas para o fim, as
cenas se desdobram em explosões e cataclismos naturais, incêndios e colisões
impulsionadas pelo vigor dos decibéis THX. O subwoofer embrulha o estômago, o
chão treme, os estalos colam a gente na cadeira e, em vez de encontrar no
cinema uma forma de elevação, o prazer vem da força desorientadora que
chacoalha a razão.
A maioria dos filmes de
hoje se compara mais a uma montanha-russa do que a um livro ou uma peça de
teatro. Gosto de 007, Missão Impossível e Duro de Matar, mas desisti dos de
guerra, de super-heróis e dos sobre o fim do mundo. Esses só me causam alívio
quando terminam. Em alguns casos, apenas o Dramin dá fim à zonzeira. O THX tem
muito a ver com isso.
O stopping power é um
desafio para a internet. A publicidade estuda formas de impor sua presença na
rede, o que é compreensível, mas esbarra no caráter independente do usuário
de computador. A solução mais agressiva é a das janelas que tomam a página
desejada sem pedir licença. Enquanto o mouse não encontra o minúsculo xizinho
para encerrar a tortura, o jingle se alastra pelo ambiente. Confesso que me
recordo involuntariamente dos anúncios que me foram impostos dessa maneira; o
que não sei é se a deselegância agrega uma boa imagem à marca que se vale de
tão baixo artifício.
Os filmetes de internet
dirigidos por Polanski e Scorsese para a Prada e para uma marca de espumante
espanhol são dois grandes exemplos de como conquistar seguidores e não ser
grosseiro. Clássicos, inteligentes, irônicos e bem filmados à beça, eles têm
uma estratégia de lançamento requintada e silenciosa. Como uma mulher sedutora,
os curtas exigem que a gente os procure, deseje, queira ver, e não o contrário.
Não há nada pior do que mulher atirada, barulhenta e espaçosa.
texto: Fernanda Torres
post: Marcelo Ferla
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