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“Quem escreve está sempre se delatando, de forma direta ou
camuflada. E como temos inquietações parecidas, os leitores
se identificam: ‘Parece que você lê meus pensamentos”
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MARTHA MEDEIROS -
Narrar-se
Sou fã de psicanálise, de
livros de psicanálise, de filmes sobre psicanálise e não pretendo desgrudar o
olho da nova série do GNT, Sessão de Terapia, dirigida por Selton Mello. Algum
voyeurismo nisso? Total. Quem não gostaria de ter acesso ao raio-x emocional
dos outros? Somos todos bem resolvidos na hora de falar sobre nós mesmos num
bar, num almoço em família, até escrevendo crônicas. Mas, em colóquio secreto e
confidencial com um terapeuta, nossas fraquezas é que protagonizam a conversa.
Por 50 minutos, despejamos
nossas dúvidas, traumas, desejos, sem temer passar por egocêntricos. É a hora
de abrir-se profundamente para uma pessoa que não está ali para condenar ou
absolver, e sim para estimular que você escute atentamente a si mesmo e assim
consiga exorcizar seus fantasmas e viver de forma mais desestressada. Alguns
pacientes desaparecem do consultório logo após o início das sessões não estão
preparados para esse enfrentamento.
Outros levam anos até
receber alta. E há os que nem quando recebem vão embora, tal é o prazer de se
autoconhecer, um processo que não termina nunca. Desconfio que será o meu caso.
Minha psicanalista um dia terá que correr comigo e colocar um rottweiler na
recepção para impedir que eu volte. Já estou bolando umas neuroses bem
cabeludas para o caso de ela tentar me dispensar.
Analisar-se é aprender a
narrar a si mesmo. Parece fácil, mas muitas pessoas não conseguem falar de si,
não sabem dizer o que sentem. Para mim não é tão difícil, já que escrever ajuda
muito no exercício de expor-se. Quem escreve está sempre se delatando, seja de
forma direta ou camuflada. E como temos inquietações parecidas, os leitores se
identificam: “Parece que você lê meus pensamentos”. Não raro, eles levam textos
de seus autores preferidos para as consultas com o analista, a fim de que
aqueles escritos ajudem a elaborar sua própria narrativa.
Meus pensamentos também
são provocados por diversos outros escritores, e ainda por músicos,
jornalistas, cineastas. Esse intercâmbio de palavras e sentimentos ajuda de
maneira significativa na nossa própria narração interna. Escutando o outro,
lendo o outro, se emocionando com o outro, vamos escrevendo vários capítulos da
nossa própria história e tornando-nos cada vez mais íntimos do personagem
principal – você sabe quem.
Selton Mello, em
entrevista, disse que para algumas pessoas o programa pode parecer chato, pois
é todo baseado no diálogo entre terapeuta e paciente, e isso é algo incomum na
televisão, que vive de muita ação e gritaria. De minha parte, terá audiência
cativa até o último episódio, pois, mesmo não vivenciando os problemas
específicos que a série apresenta, todos nós aprendemos com os dramas que
acontecem na porta ao lado, é um bem-vindo convite a valorizar o humano que há
em cada um. A introspecção não costuma atingir muitos pontos no ibope, mas é a
partir dela que se constrói uma vida que merece ser contada.
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