Copa no Brasil deixará
ônus, e não legado, diz relatora da ONU.
Para a urbanista Raquel Rolnik, o legado urbanístico
que a Copa do Mundo vai deixar para o País não será significativo.
Paula
Bianchi
Direto do
Rio de Janeiro
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Relatora
especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia
Adequada acredita que Copa não deixará legado significativo
Foto:
Marc Ferré/UN Photo / Divulgação
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Tidos pelo poder público
como uma vitrine para o País e uma oportunidade de investimentos, os grandes
eventos que serão realizados no Brasil acabaram servindo de estopim para uma
série de reivindicações, que eclodiram nas agora conhecidas como jornadas de
junho. Essas reivindicações seguem se desdobrando, causando dor de cabeça aos
governantes e perplexidade aos estudiosos.
No centro da questão, por sediar a
final da Copa do Mundo e as Olimpíadas e fazer parte do imaginário estrangeiro
do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro e os seus 6 milhões de habitantes servem
de laboratório, e se veem entre as promessas de uma cidade melhor e a realidade
caótica de má qualidade dos serviços públicos e obras aquém do anunciado.
Para a urbanista Raquel
Rolnik, professora da Universidade de São Paulo e relatora especial do Conselho
de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à
Moradia Adequada, que acompanha de perto o processo desde 2009, a principal
discussão que se coloca é o direito à cidade e a necessidade de se investir em
uma cidade realmente para todos. "Não é comprar casa, comprar moto. Tem
uma dimensão publica essencial que é a urbanidade e que precisa ser
resolvida", afirma.
Leia a seguir os
principais trechos da entrevista.
Terra: A cinco meses da
Copa, que tipo de legado o evento deixa para a cidade do Rio de Janeiro?
Raquel Rolnik: O legado
urbanístico que a Copa do Mundo vai deixar não é significativo. Alguns projetos
viários e de infraestrutura relacionados com os deslocamentos necessários para
o evento, como BRTs, novas vias de ligação com os estádios e entre aeroportos e
zonas hoteleiras e estádios, estão sendo feitos, mas essas não eram as
prioridades de mobilidade. Não há outros legados do ponto de vista urbanístico
que possam ser mencionados. Ações esperadas, como a despoluição da Baía de
Guanabara e a melhoria das condições de saneamento gerais da cidade, não foram
realizadas. Por outro lado, para a implantação desses projetos de
infraestrutura foi necessário remover comunidades e assentamentos que se
encontravam naqueles locais há décadas sem que uma alternativa adequada de
moradia tenha sido oferecida. Para as pessoas diretamente atingidas, ao invés
de um legado, a Copa deixa um ônus.
Terra: Essas remoções
foram feitas de forma irregular?
Raquel: Os procedimentos
adotados durantes as remoções não correspondem ao marco internacional dos
direitos humanos, que inclui o direito a moradia adequada, nem respeitam a
forma como elas devem ocorrer. O direito a informação, a transparência e a
participação direta dos atingidos na definição das alternativas e de
intervenção sobre as suas comunidades não foi obedecido. As pessoas receberam
compensações insuficientes para garantir seu direito à moradia adequada em
outro local e, em grande parte dos casos, não houve reassentamento onde as
condições pudessem ser iguais ou melhores daquelas em que se encontravam.
Nos
casos em que aconteceu algum tipo de reassentamento para o Minha Casa Minha
Vida, esse se deu em áreas muito distantes dos locais originais de moradia,
prejudicando os moradores no acesso aos locais de trabalho, meio de
sobrevivência e a rede socioeconômica que sustenta na cidade.
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Famílias
da Vila do Metrô, ao lado da comunidade da Mangueira, tiveram casas derrubadas
a fim de reordenar o espaço e criar um polo automotivo no local Foto: Daniel
Ramalho / Terra
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Terra: Isso tem alguma
relação com a Copa ser realizada em um país em desenvolvimento. Em outras
nações que receberam o campeonato esse processo se deu de uma forma diferente?
Raquel: Aquilo que se
incide de uma forma diferenciada sobre o Brasil e que podemos estender para
outros casos, como a Índia na organização dos Commonwealth Games, e também da
África do Sul na Copa do Mundo, é a existência de assentamentos informais de
baixa renda consolidados. Essas comunidades são as mais vulneráveis as
violações aos direitos de moradia, o que não quer dizer que em outros países
isso tenha sido respeitado.
Terra: Desde junho,
milhares de pessoas saíram às ruas em protesto tanto contra a qualidade e o
preço do transporte quanto contra os gastos com os megaeventos. O grito
"não vai ter Copa" se tornou uma bandeira comum a diversos grupos. O
que essas manifestações expressam e o que podemos esperar para 2014?
Raquel: Me parece que a
sociedade brasileira tem demonstrado o seu descontentamento em relação ao
modelo de crescimento econômico e de inclusão social que estamos vivendo. Esse
modelo, baseado na ampliação do acesso ao consumo, não enfrentou e não resolveu
a questão da cidade para todos. Ou seja, não se criou um modelo de
desenvolvimento urbano que rompa com a ideia de uma cidade excludente, para
poucos. As manifestações tem um conteúdo bastante claro de reivindicação de
direitos, especialmente do direito à cidade, expresso através do direito ao
espaço publico e ao serviço publico de qualidade, entre outras questões.
Terra: Você comentou que
as obras de transporte que estão sendo realizadas não seriam as mais
necessárias. O que seria uma prioridade para o Rio?
Raquel: Toda a relação com
a população da Baixada Fluminense é absolutamente prioritária, assim como o
eixo Niterói-São Gonçalo, que são os locais que enfrentam os maiores gargalos de
mobilidade e que beneficiariam o maior número de habitantes.
Terra: O Rio sofre com o
crescimento da especulação imobiliária, que se reflete nos preço dos imóveis e
na alta do custo de vida. Qual o efeito disso a longo prazo na cidade?
Raquel: Talvez o Rio seja
o local onde isto esteja acontecendo com maior intensidade, mas a especulação
também afeta outras cidades. O efeito é a expulsão dos setores de menor renda
das áreas mais urbanizadas, com acesso a serviços, oportunidades etc. Há um
descolamento em direção a periferias desqualificadas, sem urbanidade, com
impactos enormes sobre a mobilidade e as condições de vida da população. Além
de gerar, e isso já está claro em São Paulo e no Rio, um aumento na quantidade
de pessoas morando na rua e sem teto. Não há um censo, mas nós já observamos
que há um número cada vez maior de pessoas que não tem condições de morar em
local algum. Esses números são alarmantes. É a população que hoje está ou
vivendo nas ruas ou nas ruas promovendo ocupações e protestos.
Terra: Quais os principais
desafios do Rio?
Raquel: O Rio, assim como
outras metrópoles do Brasil, é uma cidade partida. O maior desafio é a inclusão
territorial, fazer uma cidade que seja realmente para todos. Não é comprar
casa, comprar moto. Tem uma dimensão pública essencial que é a urbanidade e que
precisa ser resolvida. Tenho acompanhado o tema dos megaeventos desde que
apresentei um relatório temático ao conselho de direitos humanos da ONU em 2009
fazendo uma espécie de overview da questão no mundo com foco na moradia. A
partir daí o conselho votou uma resolução definindo claramente que a preparação
dos megaeventos deveria levar em consideração e respeitar o direito a moradia
para todos. Acredito que os procedimentos ao longo desses anos, devido a
própria organização das populações atingidas, aos comitês em torno da Copa, à
sensibilidade dos meios de comunicação para reportar esse tema, estão
melhorando. Nos primeiros casos que vi no Rio de Janeiro, o trator já ia derrubando
as casas com as coisas das pessoas dentro. Houve aumento no valor dos
benefícios, acabou de sair uma portaria do governo federal em relação a essa
questão, mas isso ainda é insuficiente em relação aos
desafios que temos nesse campo.
Fonte: terra.com.br
post: Marcelo Ferla
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