DEMOCRATIZAR A EDUCAÇÃO
NÃO É AUMENTAR O ACESSO ÀS ESCOLAS.
POR
ALEX BRETAS
É preciso alardear a
democratização da educação não mais num sentido de amplificar o acesso a
escolas, mas sim de tornar as escolas mais democráticas.
E fazer isso não
apenas no âmbito da gestão escolar, mas também na gestão do conhecimento: isto
é, nas formas de se escolher o quê, como e o porquê de aprender.
O documentário
"La educación prohibida" e iniciativas consolidadas como a Escola da
Ponte nos mostram o caminho.
“La educación prohibida” é
um documentário argentino independente lançado em 2012 e financiado de forma
colaborativa por meio de crowdfunding.
O filme saiu com uma licença Creative
Commons e pode ser assistido com legendas em português neste link.
O documentário é dividido
em 10 episódios temáticos centrados em aspectos da prática educativa, tanto no
ambiente escolar como fora dele.
O diretor, Germán Doin, buscou apresentar de
uma forma muito rica e visual a desgraça de nossa educação tradicional, calcada
em princípios de linhas de montagem industrial dos séculos XIX e XX.
Por outro lado, mostra
também como não só sobrevivem, mas ganham espaço as práticas pedagógicas
focadas na autonomia e no respeito e cujos frutos são pedaços inteiros de
aprendizagem genuína.
Imagine ser o protagonista
de sua educação.
Eu não pude sequer conceber isso em minha formação, desde que
me entendo por gente.
Na escola, sentia-me como coadjuvante, ou melhor, como
uma peça muda de cenário.
E hoje, por interagir com muitas pessoas que se
sentiram ou se sentem da mesma forma, enxergo a transformação educacional
através da autonomia como algo urgente.
É proibido interagir na
sala de aula atual.
Mas, como assim?
Aniquila-se sem piedade a principal
ferramenta de aprendizagem do ser humano desde tempos ancestrais: as
conversações.
É proibido não seguir o
ritmo ditado pelo coronel professor.
Assassina-se o que eu acredito ser a única
verdade sem aspas do planeta: a de que cada um aprende de uma forma, na sua
velocidade, porque cada ser humano tem a sua verdade, o seu mundo, que não é
melhor nem pior do que o de ninguém.
Na verdade, até mesmo isso é uma questão
de crença.
É proibido desviar-se dos
conteúdos programados para o ano letivo e comandados pelo professor e pela
escola.
Mata-se a criatividade, a vontade genuína de aprender por causa de
algumas dezenas de tópicos que as pessoas simplesmente não irão absorver.
Tornamos reféns o tempo, o entusiasmo e a ousadia de milhões de seres humanos
em muitas das nossas escolas de hoje.
É preciso alardear a
democratização da educação não mais num sentido de amplificar o acesso a
escolas, mas sim de tornar as escolas mais democráticas.
E fazer isso não
apenas no âmbito da gestão escolar, mas também na gestão do conhecimento: isto
é, nas formas de se escolher o quê, como e o porquê de aprender.
A democratização da
educação passa pela construção de um novo projeto educacional, que assegure a
reflexão crítica e a liberdade de pensamento, sentimento e vontade não apenas
como retóricas, mas como práticas no ambiente escolar.
A abordagem a partir da
experiência de cada um deve ser salientada.
Tem de levar em conta, ainda, a
consideração e discussão de questões locais, que estão próximas do cotidiano
das crianças e jovens.
Essas questões, quando trazidas por quem está a
aprender, servem de ponto nodal para o início das investigações que constituem
a aprendizagem.
Um bom professor saberá tecer os conteúdos ao longo dessas
investigações.
Entendo aqui que a
formação dos professores necessária para levar a cabo este novo aprender é
pautada por um paradigma educacional inovador, que responsabiliza os docentes
na proporção em que se deparam com o conhecimento tácito de cada aprendente,
isto é, aquele que vem com as experiências.
A missão principal dos professores
passa a ser, então, reconhecer esse conhecimento e recombiná-lo aos saberes
mais “conceituados”, os conteúdos curriculares.
Seria muito bom se mais
professores compreendessem a liquidez dos nossos tempos. Sem ser pedra,
automática, estanque.
A primeira experiência que
conheci neste sentido foi a Escola da Ponte, localizada em Vila das Alves,
Portugal.
A Ponte, que começou a se transformar na década de 70, ainda tem
chamado a atenção de muita gente em virtude de sua filosofia integrativa e
inovadora — por
razão de ter ousado colocar em prática preceitos abordados por autores
como Paulo Freire, Freinet e Dewey.
Mais importante que isso, deu poder de escolha
de fato aos alunos.
No espaço deste texto, cabe trazer uma pequena degustação a
respeito de seu funcionamento:
“Nesta escola não há salas
de aula e não há aulas.
Um espaço pode, no princípio de um dia de trabalho,
acolher o trabalho de grupo, pode servir à expressão dramática, a meio da
manhã, e pode receber, no fim do dia, as crianças que vão participar do debate.
Num mesmo dia, o [espaço] polivalente pode ser um espaço de cantina, de
assembléia, de expressão dramática, de educação físico-motora…”. (José Pacheco,
fundador da Escola da Ponte)
No entanto, com um projeto
tão ousado, será que os resultados apareceram?
A resposta é afirmativa: segundo
relatório da Comissão de Avaliação Externa do Ministério da Educação de
Portugal de junho de 2003, os resultados dos alunos da Ponte foram “na maioria
dos itens das provas de Língua Portuguesa e de Matemática, superiores naqueles
alunos comparativamente às médias da escala regional e da escala nacional”.
Mais essencial é a
orientação voltada para o exercício profundo da democracia, da autonomia e da
solidariedade em todos os aspectos da vida escolar.
No entanto, isso ainda não
é objeto de avaliação sistemática por parte dos governos, nem em Portugal, nem
no Brasil.
Em vários outros quesitos das avaliações realizadas na Ponte, os
resultados também favoreceram os métodos da escola, o que contradiz a histórica
resistência do Ministério da Educação português em apoiar o seu projeto
pedagógico.
No Brasil, há vários
projetos de educação verdadeiramente democráticos em curso. Para citar alguns,
temos por aqui a Escola da Serra em Belo Horizonte, a EMEF Desembargador Amorim
Lima, a Escola Municipal Campos Salles e o projeto Âncora, em São Paulo, além
de vários outros.
As abordagens são diversas, mas todas essas escolas conservam
a gestão democrática tanto do ambiente escolar quanto do conhecimento por parte
dos alunos como núcleos primordiais para obter uma prática educativa libertadora.
Muitos deles nasceram em
contextos de alta vulnerabilidade social, o que atesta a sua resiliência. Todos
caminham na mesma direção: incorporar, a partir da vivência, a autonomia e a
democracia nos percursos de cada vez mais crianças e jovens, dando voz às suas
escolhas.
post: Marcelo Ferla
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua opinião.