Mais
pobres eram quase metade dos visitantes do Museu Nacional
Nathalia Passarinho
Da BBC News Brasil em
Londres
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiF5mwujgeXCcakRTsgAcALaX4rHnTS44iBq0Gnmk405c3qFy0j8ncV9tYwJBi7K1Sl2TLFpoLusNlHhfTqaLxvDwjE8YebaRyg6xfW0-FIDyytA_PXXfZcKONI1Ow_f5dRSnyZyA-KuHbP/s400/_103339393_17170945375_4223cac6e4_z.jpg) |
Pesquisa mostra que
Museu Nacional recebia mais visitantes de classes populares que a maioria das
instituições de ciência: 46% eram de renda baixa, de até 3 salários mínimos
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Quando viu na televisão o
prédio do Museu Nacional em chamas, a primeira preocupação de Dhiovana, de 7
anos, foi com os dinossauros e os "homens que dormiam"- como a menina
chama as múmias egípcias que viu pela primeira vez no museu.
"Papai, mas vai queimar
os dinossauros?
Os homens dormindo vão conseguir sair dali?", perguntou.
Dhiovana é encantada por
dinossauros e ganhou de presente de aniversário, no ano passado, uma visita ao
"Museu da Quinta", que guardava o maior acervo arqueológico do
Brasil.
No domingo, mais de 90% dos 20 milhões de itens se perderam em um
incêndio.
"O sonho dela era
conhecer o museu e ver os esqueletos de perto.
Ficou tão animada quando eu
disse que íamos passar o aniversário de 7 anos dela lá que passou a noite
acordada", contou à BBC News Brasil o pai da menina, Genival Soares da
Silva, que trabalhou a maior parte da vida como pedreiro e hoje vive da renda
do aluguel de imóveis que construiu com as próprias mãos.
"O que ela mais amou
foi a parte dos dinossauros.
Não parava de fazer perguntas sobre o que eles
comiam, como viviam...
E eu contei da pedra que caiu do céu, que era o
meteorito exposto lá.
Ela ficou entusiasmada com aquilo tudo."
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgp8k03HNi2kT_WGxOtosKETrwKpnGBijTZ3RvkZmgxgJtl1A2dYUJOnV8ZXhfuYeXq9Q3URpkm-xy_gfQ3mSCBEqF-p90kAbkr2PIG7SR6lsCFPkmSUfBU_As8BBNCJcQKaql2XvMCx7pL/s400/_103339395_photo-2018-09-06-15-23-42.jpg) |
Dhiovana ficou
preocupada com os dinossauros e os 'homens que dormiam' quando soube do
incêndio no Museu Nacional
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Nos meses que se seguiram,
Dhiovana falou tanto sobre a experiência a parentes e amigos que conhecer o
Museu Nacional passou a ser, também, o sonho de dois primos dela.
Mas não deu
tempo de as crianças conhecerem as múmias e esqueletos de dinossauros.
"Eles disseram que
tinham dois desejos de aniversário: conhecer o Museu da Quinta e o Maracanã.
O
Maracanã eu disse que é muito caro, mas prometi levar ao museu.
Iríamos nas
próximas semanas", lamenta o pai da menina.
Museu era acessível aos mais
pobres
Dhiovana e a família se
enquadram no perfil majoritário de quem visitava o Museu Nacional - pessoas de
classe média e classe média baixa que, em muitos casos, visitavam pela primeira
ou segunda vez um museu.
Segundo uma pesquisa inédita
da professora da Escola de Museologia da Unirio Andrea Costa, pesquisadora do
Observatório de Museus e Centros de Ciência e Tecnologia, quase metade dos
frequentadores em 2017 e 2018 - 46% - possuía renda baixa (1 a 3 salários
mínimos).
Para obter essa informação, foram distribuídos e respondidos 477
questionários ao longo de um ano.
O resultado será incorporado
a um levantamento mais amplo do Observatório de Museus e Centros de Ciência e
Tecnologia, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, que periodicamente coleta dados dos
principais museus de ciência do Rio de Janeiro para traçar o perfil do público.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTgyAEzouuoXKh2PJGPTejWdx9f4biYhgKp-9QhskAe2zzpJgAc_eZLUhS7pIAP168LU-qvkLQBkQwa6UgiM3mo4-Ek922x4BktrMiESL0OBysQo1grjInlewGZR-VJTrIcBGjH4cW3N1W/s400/_103339397_17170944715_86f50da1b3_z.jpg) |
Ao liberar entrada
gratuita em alguns períodos de visitação, o Museu Nacional passou a receber mais
pessoas de renda baixa e negros
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Em 2013, os mais pobres eram
33% dos visitantes do "Museu da Quinta", e mesmo assim ele ficava
atrás apenas do Museu da Vida - localizado em Manguinhos, zona norte do Rio -
em percentual de visitantes de baixa renda, dentre os cinco museus de história
natural do Rio de Janeiro analisados pelo Observatório.
A título de comparação, dos
visitantes do Planetário do Rio, só 10% têm renda baixa, segundo o
levantamento.
Andrea Costa também analisou
o perfil do público que frequentou o museu nos horários em que havia entrada
gratuita e percebeu que o percentual de visitantes de baixa renda saltava para
56,6%.
Entre abril de 2017 e abril de 2018, as pessoas poderiam entrar de
graça, todos os dias, uma hora antes do horário de fechamento, e fazer a visita
em duas horas.
Depois de abril deste ano, a entrada passou a ser gratuita no
segundo domingo do mês, durante todo o dia.
"O que a gente percebeu
é que mudou o público do museu.
Conseguimos levar para lá o público que
frequentava o parque, mas não entrava no prédio.
A maioria dos visitantes
passou a ser de baixa renda e se declarar preto e pardo (55%)", disse à
BBC News Brasil.
Localização e dias de
entrada gratuita
Segundo Andrea Costa,
pesquisas mostram que, em geral, o público dos museus do Brasil é composto por
pessoas de classe média e média alta.
"A classe média tem mais chance de
acessar os museus, porque costuma morar mais perto de onde a maioria deles está
localizada ou consegue pagar passagem para chegar até eles.
E o nível de
escolaridade das pessoas influencia", disse.
"A maior parte dos
visitantes tem alto nível de escolaridade, e crianças filhas de pais com alta
escolaridade têm mais capacidade e incentivos para visitar museus."
Mas então como é que o Museu
Nacional conseguia atrair as camadas mais pobres, mesmo fora do horário
gratuito?
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioqJplrEbXsbkloQvxe2ntBuH95fTbOK8MNcH009wkqhfwJ31Fi1nXYx0g-NRNH8NwpHB7jLfvUk8FWVEQ4vlUT_a8Qi36w8knBdDebCUPx9Uf7-WffANgfoZsJGNx5uapMYK7cnqGuTrW/s400/_103339399_epamarcelosayao-epa.jpg) |
Lozalização do museu
favorecia acesso de camadas mais pobres, segundo pesquisadoras
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A jornalista Fernanda Guedes
procurou responder isso na sua tese de mestrado na Universidade Federal Fluminense,
para a qual observou visitantes do museu por um ano, entrevistando mais de 60
deles.
Segundo ela, um dos fatores que contribuíam para o acesso das camadas
mais pobres era a localização do edifício, na zona norte do Rio de Janeiro.
"Lá atrás, o próprio
imperador Pedro 2º autorizou a moradia de pessoas mais pobres na Quinta da Boa
Vista, como indivíduos de classes operárias e viúvas de militares.
Depois, na
República, o local passou a ser referido como o playground da periferia, por
causa dos lazeres públicos e do parque", detalha ela, que também é
funcionária do setor de comunicação do museu.
"Temos comunidades nas
proximidades, como a de São Cristóvão, a Mangueira, o morro do Tuiuti e a
Barreira do Vasco.
Além disso, o acesso é facilitado por estações de ônibus e
trem."
Busca por lazer em família
Fernanda Guedes e Andrea
Costa afirmam que a grande maioria dos visitantes (71%) frequentava o museu
acompanhada - muitos iam com filhos e netos.
Era, portanto, um local de passeio
em família.
Cada ingresso custava R$ 8,
o que para as camadas mais pobres pode ser muito, quando se considera a compra
para vários integrantes da família, além de custos com passagem e alimentação.
Por isso, as pesquisadoras
acreditam que a oferta de ingressos gratuitos também teve peso na
diversificação do público a partir de 2017.
"Para uma parte do
público, fez diferença não ter que pagar para entrar.
Para quem vinha de longe,
era um custo a menos para somar à passagem.
E para quem já morava no entorno da
Boa Vista virou um incentivo a mais", diz Andrea Costa.
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Coleção de esqueletos
de dinossauros estava entre as mais procuradas por visitantes do museu. Ver um
desses de perto era o sonho de Dhiovana, de 7 anos
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E o que as camadas mais
pobres buscavam ao visitar o museu?
Fernanda Guedes afirma que a motivação mais
mencionada pelos visitantes que entrevistou era "lazer" e a possibilidade
de conhecer "objetos que sempre fizeram parte do imaginário", como
esqueletos de dinossauros, múmias e a preguiça gigante - todos parte do acervo
do museu.
Mas as visitas
despretensiosas abriam as portas para um maior interesse em ciência.
No caso de
Dhiovana, conhecer as peças arqueológicas, indígenas e egípcias de perto fez
com que a menina fosse atrás, depois, de mais informações.
"Eu gostei
muito dos dinossauros e das múmias", contou à BBC News Brasil.
"Como é uma História
muito importante da humanidade, queria que ela visse aquilo pessoalmente, os
animais extintos, os dinossauros, as múmias.
Acho que, vendo de perto, você
aprende mais", avalia Genival, o pai da garota.
Segundo Fernanda Guedes,
cerca de 5 escolas visitavam o museu a cada dia.
Os alunos de instituições
públicas entravam gratuitamente.
No caso das escolas particulares, era cobrado
ingresso de R$ 2 por aluno.
Em algumas crianças, a visita despontava o
interesse de seguir carreiras que elas não sabiam existir.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEir6Uq8ZkoUhGlYBz8khxVp603ak4su5dLzqoGdOJ9V6YlZbJVbLiXkm84Crp2XBPbJDDcA3hOo0OGXlqB4c-9n785zpmpWxk36Baaa1636cYBrK0dXmwktihuvxbI9pqPvIULmyYEzFAUx/s400/_103339713_dhiovana.jpg) |
Dhiovana compartilhou
a experiência no museu com os primos, que passaram a sonhar em conhecer as
'múmias' e 'esqueletos de dinossauros'
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"Era, muitas vezes, o
primeiro contato das crianças com o aspecto de um aprendizado que poderia se
tornar uma profissão.
'Eu posso ser um paleontólogo, um cientista, um
astrônomo'.
Gerava essa perspectiva de perseguir profissões que elas, talvez,
jamais soubessem que existiam ou, se soubessem, poderiam considerar uma
perspectiva muito distante."
Sem a possibilidade de
voltar ao museu para levar os sobrinhos, Genival se apega às memórias do que
chamou de um dia "maravilhoso em família".
E Dhiovana mantém o museu
vivo do seu jeito, descrevendo aos primos o susto que levou ao ver os
"homens dormindo" na ala egípcia e a alegria que sentiu em conhecer
um "dinossauro de verdade".
post: Marcelo Ferla
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