Em um mundo dominado pela incerteza e pela insegurança, as pessoas apegam-se mais fortemente às suas afinidades afetivas, às identidades que lhes dão mais segurança, autoestima e segurança.
Daí o fortalecimento das identidades, não necessariamente as tradicionais, de raça, gênero e religião, mas as socialmente construídas com base na identificação com certas reações àquilo que ameaça a segurança das pessoas.
À fluidez e volatilidade das situações e das relações, de trabalho, de vizinhança, de convivência social, respondem com o fortalecimento de laços com pessoas que reagem do mesmo modo a determinadas situações genéricas, a determinados estereótipos e rótulos.
Daí para a violência basta uma série de afirmações irresponsáveis das lideranças que se tornam âncoras dessas identidades.
Em português, a expressão rude equivale a “matar de porrada” os adversários.
Ele estava dando uma ordem genérica para o uso da violência.
As pessoas não estão equipadas para absorver mensagens desse tipo seletivamente, respeitando contexto e especificidade.
A tradução genérica é que pega, tipo “Trump mandou descer o cacete neles” e não Trump mandou agredir que for jogar tomate nele.
A campanha americana foi radicalmente polarizada e teve muita violência. Violência física e verbal.
Esta última pela via dos haters. Trump liderou a linguagem do ódio, explorando muito bem a dinâmica desafeição/afeição.
Foi um exemplo de incivilidade nas referências à sua opositora, Hillary Clinton, a quem chamou em um debate de “nasty person”, pessoa nojenta.
A política nos Estados Unidos tem numerosos exemplos históricos e recentes de violência.
No Reino Unido, em 2016, a parlamentar Joe Cox, uma estrela em rápida ascensão no Partido Trabalhista foi morta a tiros por um oponente de extrema-direita.
Na eleição italiana recente, que deu a vitória à direita ultranacionalista, a campanha foi marcada por choques violentos entre “neofascistas” e “antifascistas”.
Mas, o rótulo de neofascista está longe de ter o referencial ideológico e o conteúdo programático do fascismo de Mussolini.
É um rótulo genérico.
Todavia, na mais moderada das hipóteses compromete seriamente sua qualidade e ameaça a estabilidade que é essencial à formação de governos capazes de enfrentar os múltiplos desafios dessa longa transição.
Em outros momentos, a violência nascida dessa polarização afetiva é o prenúncio do colapso democrático.
Como ocorreu na Turquia, durante a campanha presidencial de Recep Tayyp Erdogan.
Depende da resiliência institucional de cada democracia.
Pesquisas acadêmicas revelam a lógica dessa “polarização afetiva”, especialmente nos Estados Unidos.
A politóloga Lilliana Mason da Universidade de Maryland, conclui que as pessoas se identificam com os rótulos partidários mais pela via da afeição/desafeição, do que pela adesão a questões ideológicas.
Ela explica que o processo de construção das identidades políticas se baseia atualmente nos sentimentos de inclusão e de exclusão.
Em seu livro Uncivil Agreement (Concordância Incivil) ela argumenta que este é um tipo distinto de polarização social, que inclui preconceito político, raiva, entusiasmo e ativismo e superou os conflitos em torno de questões programáticas.
Matthew D. Luttig, politólogo da Universidade Colgate, argumenta que a polarização da elite reforçou a relação entre a motivação básica para pertencer a grupos, a necessidade de certezas, e a conformidade com as lideranças políticas, alimentando a divisão entre “nós” os bons e “eles”, os maus.
Nos Estados Unidos, levou à polarização partidária extremada.
Segundo ele, a necessidade de certeza é uma forma de “cabeça-durismo” e leva a um partidarismo rígido, acrítico, extremado, enviesado e intolerante.
Aqueles que discordariam delas em outras circunstâncias minimizam as dissonâncias e maximizam as convergências.
As pessoas tomadas por essas identificações apaixonadas entram em estado de negação em relação ao que normalmente veriam como errado nas lideranças.
A desafeição dos “outros” é resultado direto dessa identificação absoluta com aqueles que passam a ser um irredutível “nós”.
post: Marcelo Ferla
fonte: https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao
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