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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A política do ‘nós’ que nos amamos contra ‘eles’ que odiamos


A política do ‘nós’ que nos amamos contra ‘eles’ que odiamos
O artigo do cientista político Sérgio Abranches para o blog neste domingo
Por Sérgio Abranches
A grande transição global tem como uma de suas características a perda de referências. 

Em um mundo dominado pela incerteza e pela insegurança, as pessoas apegam-se mais fortemente às suas afinidades afetivas, às identidades que lhes dão mais segurança, autoestima e segurança. 

Daí o fortalecimento das identidades, não necessariamente as tradicionais, de raça, gênero e religião, mas as socialmente construídas com base na identificação com certas reações àquilo que ameaça a segurança das pessoas. 

À fluidez e volatilidade das situações e das relações, de trabalho, de vizinhança, de convivência social, respondem com o fortalecimento de laços com pessoas que reagem do mesmo modo a determinadas situações genéricas, a determinados estereótipos e rótulos.
Essa reação adaptativa às ameaças do ambiente em mutação vertiginosa produz uma adesão ortodoxa a sentimentos e mentalidades afins mais que a temas ideológicos e a questões morais. 
É o domínio do espírito de time, do hooliganismo. 
As relações sociais e políticas passam a ser motivadas por estímulos de desafeição e afeição, muito mais do que pela defesa racional de interesses.
Esse estado de espírito produz as polarizações políticas extremadas de nossos dias e a divisão do mundo entre “nós” que nos amamos e “eles” que odiamos. 

Daí para a violência basta uma série de afirmações irresponsáveis das lideranças que se tornam âncoras dessas identidades.
Donald Trump, num comício em Cedar's Rapid, Iowa, convocou seus seguidores a “knock the crap out of them”, referindo-se às pessoas que interrompiam seus discursos com protestos. 

Em português, a expressão rude equivale a “matar de porrada” os adversários. 

Ele estava dando uma ordem genérica para o uso da violência. 

As pessoas não estão equipadas para absorver mensagens desse tipo seletivamente, respeitando contexto e especificidade. 

A tradução genérica é que pega, tipo “Trump mandou descer o cacete neles” e não Trump mandou agredir que for jogar tomate nele. 

A campanha americana foi radicalmente polarizada e teve muita violência. Violência física e verbal. 

Esta última pela via dos haters. Trump liderou a linguagem do ódio, explorando muito bem a dinâmica desafeição/afeição. 

Foi um exemplo de incivilidade nas referências à sua opositora, Hillary Clinton, a quem chamou em um debate de “nasty person”, pessoa nojenta.
A violência não é incomum nas democracias. 

A política nos Estados Unidos tem numerosos exemplos históricos e recentes de violência. 

No Reino Unido, em 2016, a parlamentar Joe Cox, uma estrela em rápida ascensão no Partido Trabalhista foi morta a tiros por um oponente de extrema-direita. 

Na eleição italiana recente, que deu a vitória à direita ultranacionalista, a campanha foi marcada por choques violentos entre “neofascistas” e “antifascistas”. 

Mas, o rótulo de neofascista está longe de ter o referencial ideológico e o conteúdo programático do fascismo de Mussolini. 

É um rótulo genérico.
A violência pode matar e ferir pessoas, mas não atinge, necessariamente, as fundações da democracia. 

Todavia, na mais moderada das hipóteses compromete seriamente sua qualidade e ameaça a estabilidade que é essencial à formação de governos capazes de enfrentar os múltiplos desafios dessa longa transição. 

Em outros momentos, a violência nascida dessa polarização afetiva é o prenúncio do colapso democrático. 

Como ocorreu na Turquia, durante a campanha presidencial de Recep Tayyp Erdogan. 

Depende da resiliência institucional de cada democracia.

Pesquisas acadêmicas revelam a lógica dessa “polarização afetiva”, especialmente nos Estados Unidos. 

A politóloga Lilliana Mason da Universidade de Maryland, conclui que as pessoas se identificam com os rótulos partidários mais pela via da afeição/desafeição, do que pela adesão a questões ideológicas. 

Ela explica que o processo de construção das identidades políticas se baseia atualmente nos sentimentos de inclusão e de exclusão. 

Em seu livro Uncivil Agreement (Concordância Incivil) ela argumenta que este é um tipo distinto de polarização social, que inclui preconceito político, raiva, entusiasmo e ativismo e superou os conflitos em torno de questões programáticas.

Matthew D. Luttig, politólogo da Universidade Colgate, argumenta que a polarização da elite reforçou a relação entre a motivação básica para pertencer a grupos, a necessidade de certezas, e a conformidade com as lideranças políticas, alimentando a divisão entre “nós” os bons e “eles”, os maus. 

Nos Estados Unidos, levou à polarização partidária extremada. 

Segundo ele, a necessidade de certeza é uma forma de “cabeça-durismo” e leva a um partidarismo rígido, acrítico, extremado, enviesado e intolerante.
O politólogo de Princeton Shanto Iyengar diz que essa nova política de identidades produz a má percepção das posições que estão sendo defendidas. 

Aqueles que discordariam delas em outras circunstâncias minimizam as dissonâncias e maximizam as convergências. 

As pessoas tomadas por essas identificações apaixonadas entram em estado de negação em relação ao que normalmente veriam como errado nas lideranças. 

A desafeição dos “outros” é resultado direto dessa identificação absoluta com aqueles que passam a ser um irredutível “nós”.

O professor de filosofia da New York University, Khwame Anthony Appiah, traduziu de forma mais direta essas conclusões. 
Tudo isso, diz ele, é uma forma polida de dizer que as divisões políticas não se dão mais na base de “eu discordo de suas visões”, e sim a partir de “eu odeio essa sua cara estúpida”. 
As pessoas não votam mais no que elas desejam. 
Elas votam por quem eles são. Aqui no Brasil, Lula percebeu essa nova “vibe”. 
Por isso, nos comícios de ampla mobilização dizia “agora é “nós” aqui e “eles” lá.
As palavras de ordem, nesse ambiente, são tomadas genericamente e com extremismo. 
Apreciações genéricas sobre pessoas ou ordem viram um comando genérico, encorajam esse espírito de clube, do hooliganismo, das torcidas organizadas violentas que não se satisfazem em vencer o competidor, querem destruir todos os que se identificam com ele. 
É o caldo de cultura perfeito para a violência política.
Quando Bolsonaro ataca os petistas, chamando-os de “marxistas”, ele evidentemente não se refere ao marxismo, nem ao marxismo-leninismo, como doutrina com conteúdo e visão programática. 
Ele reaviva o termo como uma forma pejorativa de “petismo”, ou “esquerdismo”, mais afim ao “espírito de 1968”, da radicalização que levou à repressão das esquerdas que se opunham ao regime militar. 
Quando os petistas chamam Bolsonaro de “fascista”, obviamente não se referem ao fascismo tal como ele existiu, mas a uma concepção genérica e vazia de conteúdo da extrema-direita. 
Ao convocar seus seguidores, que beiram o fanatismo, a “metralhar a esquerdalha”, a frase “metafórica” é interpretada genérica e literalmente: a disputa política tem que ser na porrada, na violência. 
Essa visão bélica da política vale para os dois lados. 
Talvez intuindo isso ele esperasse, como afirmou, que a violência se voltasse também contra ele, como acabou ocorrendo.
Uma característica dessa nova forma de polarização é a ausência absoluta de autocrítica. 
Ela bloqueia qualquer reconhecimento de erros ou excessos. 
O PT nega usar a linguagem do ódio, da qual abusa nos discursos e nas redes, para desqualificar opositores. 
Os seguidores de Bolsonaro negam que ele incite a violência ou a intolerância. 
O errado é o outro, esta é a regra da política que não se faz pela razão e pela competição de ideias, mas pela lógica da afeição/desafeição, do eu adoro “nós” e detesto “eles”. 
Esse é o sentimento que faz a direita crescer e a esquerda estiolar.
* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. 
É colaborador do blog com análises do cenário político internacional


post: Marcelo Ferla
fonte: https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao

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