Falando nisso.
|
Clara Averbuck é ESCRITORA.
|
05 de Junho de 2013
Estatuto do Nascituro: a
mulher que se foda
Hoje o Estatuto do
Nascituro foi aprovado na Comissão de Finanças.
Ainda falta ser aprovado
na Comissão de Justiça a no Plenário. Mas não duvido nada que seja. Nunca ouviu
falar do Estatuto do Nascituro? Basicamente é o seguinte: um ÓVULO FECUNDADO
vai ter os mesmos direitos que eu, que a sua mãe, que a sua irmã e que a minha
filha e todas as outras mulheres do Brasil. Se, digamos, minha filha de nove
anos fosse estuprada e engravidasse, não teria direito a fazer um aborto; teria
de manter o filho do agressor. Se caso não tivesse recursos para sustentar a
criança (!!!), o Estado se responsabilizaria com a apelidada BOLSA ESTUPRO até
os 18 anos do filho - isso caso o estuprador não fosse identificado e
RESPONSABILIZADO. Aborto de anencéfalo? Esquece. Risco de vida pra mãe? Foda-se
a mãe. Trauma? Foda-se a mãe.
O aborto ilegal já causa
22% das mortes maternas. Com essa monstruosidade aprovada, é provável que esse
número dobre, triplique. Criminalizar o aborto não é solução. Já falei sobre
isso aqui.
Se a mãe correr risco de
vida e precisar de um tratamento que coloque em perigo a vida do feto, ela será
proibida de se tratar.
Afinal, a vida de um
amontoado de células que ainda não nasceu, não tem personalidade, não tem
consciência, é evidentemente mais importante do que a de uma mulher formada.
Vejamos alguns dos artigos
dessa aberração:
Art.1º Esta lei dispõe
sobre a proteção integral ao nascituro.
O embrião, você quer
dizer. O amontoado de células.
Art. 2º Nascituro é o ser
humano concebido, mas ainda não nascido.
Pff.
Parágrafo único. O
conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos “in vitro”, os
produzidos através de clonagem ou por outro meio científica e eticamente
aceito.
Quer dizer, ATÉ UM CLONE é
mais importante do que a vida da mãe.
Art. 4º É dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta
prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à alimentação, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-lo
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
SENHORES, NÃO SEI SE VOCÊ
SABEM, MAS ELE AINDA NÃO NASCEU.
Art. 9º É vedado ao Estado
e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o da expectativa de algum
direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, da deficiência física
ou mental ou da probalidade de sobrevida.
E a mãe que se foda.
Art. 10º O nascituro
deficiente terá à sua disposição todos os meios terapêuticos e profiláticos
existentes para prevenir, reparar ou minimizar sua deficiências, haja ou não
expectativa de sobrevida extra-uterina.
E a mãe que se foda,
depois de ter passado uma gestação inteira sabendo que o filho não
sobreviveria.
Art. 13 O nascituro
concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou
restrição de direitos, assegurando-lhe, ainda, os seguintes:
I – direito prioritário à
assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante;
II – direito a pensão
alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos;
III – direito prioritário
à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento.
Parágrafo único. Se for
identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se
refere o inciso II deste artigo; se não for identificado, ou se for insolvente,
a obrigação recairá sobre o Estado.
Quer dizer: se uma menina
for estuprada pelo próprio pai e engravidar, ela vai ter que carregar o
filho/irmão, parir, criar e ainda ter que lidar com o pai de ambos, ou colocar
o filho para adoção, como se os orfanatos fossem lugares bacanérrimos, como se
o processo de adoção fosse algo fácil, como se isso tudo tivesse alguma conexão
com a realidade. Se uma mulher for estuprada por desconhecido, até parece que
vão caçar o cara para que ele dê pensão. Não sei o que é pior, o Estado
oferecer a pensão ou sugerirem que o ESTUPRADOR pague pensão. Ele deveria estar
preso, não deveria? Se encontrado, o estuprador não seria preso, mas obrigado a
sustentar um filho? Vão querer visita obrigatória também? É completamente fora
da realidade. Completamente. É de uma falta de empatia que eu nunca vi nessa
vida. Obrigar uma mulher a carregar o fruto de uma violência é acabar com a
vida dela. Ou seja, mais uma vez: FODA-SE A MÃE.
É basicamente isso que diz
o Estatuto do Nascituro: foda-se a mãe, foda-se a mulher que sofreu violência,
foda-se a vida delas. O que importa é a vida que foi gerada.
E isso é baseado em que,
mesmo?
Crenças. Crenças de que
DEUS mandou essa vida. Gente, olha só, eu sou atéia, eu não tenho DEUS ALGUM.
Se você tem um deus e ele não quer que você aborte, apenas NÃO ABORTE. Mas tire
as suas idéias, as suas crenças e essa violência toda do corpo das outras
mulheres. Das mulheres. De todas as mulheres.
O Estado não pode mandar
em nossos corpos.
Aqui tem um post da Lola a
respeito.
Aqui tem um do
queridíssimo Pedro Munhoz (com adendo)
Aqui tem essa
MONSTRUOSIDADE na íntegra.
Aqui tem o substituitivo
dela.
Não podemos aceitar. Não
podemos nos calar. Não podemos deixar que os fundamentalistas religiosos tomem
assim esse país.
O
ESTADO
DEVE
SER
LAICO.
Se não lutarmos por isso,
se não fizermos barulho, retrocederemos mais e mais e mais até, sei lá, não
podermos usar energia elétrica ou remédios.
Conto com vocês pra fazer
um escarcéu.
ADENDO:
Me foi informado que o
Estatuto do Nascituro bate de frente com o artigo 128 do Código Penal, que
permite o aborto em caso de estupro ou de risco de vida da mãe. Então, ou os
nascituros são como a gente e o artigo 128 não vale nada - não duvido que metam
a mão no código penal: o projeto original, inclusive, faria isso -, ou a
equiparação de pessoas nascidas com o nascituro não faz sentido. De qualquer
forma, o Estatuto está linkado para quem quiser ler ali em cima. E sim, eu sou
a favor da descriminalização do aborto até a 12a semana, como sugere o Conselho
Federal de Medicina, sou a favor do uso de células-tronco, sou a favor da
autonomia total do corpo da mulher. O Estado não tem que se meter em nossos
úteros.
texto: Clara Averburck
post: Marcelo Ferla
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua opinião.