As "coisas-zumbis" têm
vida própria
Antigamente tínhamos um
norte, ilusório ou não. Hoje, vivemos numa permanente incerteza que tentamos
deslindar com mecanismos antigos. O colunista ou comentarista se empoleira num
pódio de opiniões e fica deitando regras. Como eu, hoje em crise.
E aí? Qual é essa de um
sujeito ficar dizendo o que acha certo ou errado na Paisagem? Fico falando na
TV, escrevendo nos jornais, tentando ser relevante, tentando salvar alguma
coisa que nem sei o que é. Salvar o quê?
Antigamente, era mole. O
mal era o capitalismo e o bem era o socialismo. Agora,os intelectuais,
caridosos de carteirinha, cafetões da miséria, santos oportunistas estão em
pânico, pois não conseguem pensar sem almejar alguma forma de 'totalidade'.
Mas, isso acabou. As
coisas estão controlando os homens. As coisas tomaram o poder e nós, seus
escravos, criamos nomes: 'neoliberalismo, esquerdismo, nacionalismo', um
reducionismo apressado para nos dar a ilusão de controle. Mas, hoje, a marcha
das coisas zumbis já começou.
Diante dessa invasão dos
vampiros de mercado e da tecnociência incontrolável, o pensamento
‘progressista’ ficou lamentoso, tristinho de tanto absurdo, tanto na guerra
internacional como no caos brasileiro. De que adiantam os queixumes?Como falar
em democracia com muçulmanos analfabetos que desde o século 8.º batem a cabeça
nas pedras para exorcizar qualquer ‘perigo’ de liberdade, repetindo mantras do
Corão, enquanto, do outro lado, os caretas republicanos competem para ver quem
é mais reacionário e escolhem esse Romney a repetir mantras da Bíblia
fundamentalista? É terrível ver a vitória das religiões sobre a razão, é feio
ver o século 21 começando na Idade Média, com bilhões de seres dominados por
Alá, combatidos pelo Deus da indústria de armas. O homem bomba matou o Eu.
Surge no horizonte da
crise uma nova 'razão irracional' (se é que o oximoro é possível), pois vemos a
direita crescer no mundo, junto a uma esquerda cada vez mais neoestalinista,
uma razão burra e organizada, fascistoide, principalmente na América Latina.
O problema é que não
conseguimos abrir mão do "eu", do desejo de ser um profeta ou
professor ou comandante, tanto no pensamento, na política e nas artes. E,no
entanto,vemos que o mundo se move como uma máquina própria. Os indivíduos
viraram apenas uma peça ínfima que às vezes dispara novas rotas para as
catástrofes. O "eu" virou um privilégio para poucos. Hitler foi um
"eu" que encarnou o rancor nacional da Alemanha. Décadas depois,
Osama foi um novo "eu" para atacar a modernização do Ocidente,
supremo pavor (e desejo) do Islã. Do outro lado, Bush arrasou a América e o
mundo. Dois psicopatas mudaram o tempo. Achávamos que tudo se moveria pelas
grandes forças socioeconômicas e acabamos mudados por um maluco religioso e um
imbecil alcoólatra. O mal difuso elege apenas seus operadores.
E no meio, entre o
indivíduo e a massa, respira a liberdade como um bicho sem dono, a 'liberdade'
- essa coisa que nos provoca tanta angústia. Que liberdade? Contra um mal
teórico ou a favor de um bem inapreensível? A único consolo que resta ao
"eu" é o narcisismo como moda social, a acumulação de riquezas,
charmes e ilusões. É o nascimento do eu-boçal. Seria o eu-burguês, ou eu-Miami.
Ou então, o 'eu' como uma espécie de prêmio para quem furar o muro do
anonimato, para quem conseguir criar um eu fantasioso, um eu excêntrico, um eu
que mostra a bunda,um eu de silicone ou um eu-big brother. O indivíduo está
cada vez mais ridículo.
Quem fala debaixo dessas
duas letrinhas: o "Eu"? Quem foi que inventou essa voz, esse brado
que soa de dentro de um organismo, a partir do qual o mundo é contemplado, o
que é essa voz cheia de certezas, quem são esses corpos opinativos que se pensam
diferentes, mas são produzidos em série? Eles pensam:" Eu quero ser
inconformista como todo mundo..." O eu dos intelectuais está humilhado...
Há um grande desânimo de
pensar, de escrever,de análises sobre algo morto e inevitável e que já foi
decidido. Refletir, fazer obras de arte, pra Quê? Sem alguma esperança não há
filosofia.
O eu está sem orgulho,
inútil. E aí,volta minha crise do início deste artigo deprimido (quem aguentou
ler até agora?): como analisar racionalmente um país num tempo em que ninguém
comanda? Não dá. Tenho de utilizar novos conceitos para isso. Tenho de me
conformar que não há mais solução para muitos problemas. Nem para o
terrorismo,nem para a miséria e seus crimes. Nem na guerra, nem no tráfico de
São Paulo, por exemplo. Está tudo incorporado ao arquivo morto da História.
Acabou o sonho de um futuro harmônico. O século 21 vai ser uma bosta mesmo.
texto: Arnaldo Jabor
Post: Marcelo Ferla
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