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quarta-feira, 19 de julho de 2017
T2: Trainspotting.
T2 Trainspotting: quando o
lema "Escolha a Vida" escapa à ironia.
por
Miguel Martins
Na sequência do filme de
1996, Renton e seus velhos companheiros põem a limpo suas relações, que vão
além de agulhas compartilhadas.
Antes
tratada como uma dama de “grande personalidade”, a heroína surge como
coadjuvante.
"Nostalgia!
Você está querendo ser
turista da própria juventude."
(Sick Boy/Simon)
Em um momento, você tem
tudo ("you've got it"), depois perde para sempre.
O craque
norte-irlandês George Best tinha, perdeu.
Os ídolos do rock David Bowie, Lou
Reed, Malcolm McLaren e Elvis Presley também.
Há 20 anos, o personagem de
Trainspotting Sick Boy tentava convencer o amigo Mark Renton, vivido por Ewan
McGregor, de sua “teoria unificadora da vida”: quando ficamos velhos, não damos
mais conta e ponto final.
Na sequência T2
Trainspotting, Sick Boy, novamente interpretado por Jonny Lee Miller, é
obrigado a pôr a teoria à prova na pele de um envelhecido Simon.
Seus planos de
se firmar como um traficante e cafetão seguem no horizonte.
Com sua parceira de
negócios, Veronika (Anjela Nedyalkova), sonha em erguer um controverso
empreendimento em Leith, região portuária de Edimburgo.
Simon pouco se arrisca com
as agulhas.
Tampouco Renton, com quem se reencontra 20 anos depois de o amigo o
trapacear em um operação amadora de tráfico.
Ao menos em relação ao abuso de
drogas, a dupla parece confirmar a velha teoria: ambos velhos, não parecem dar
mais conta.
Na sequência do filme
original, um picante retrato dos usuários de substâncias injetáveis também
dirigido por Danny Boyle, a heroína, antes tratada como uma dama de “grande
personalidade”, surge como coadjuvante.
Um reflexo do amadurecimento dos
personagens e dos temas nesta sequência, mas também da perda relativa de espaço
do opiáceo no universo das drogas ilícitas.
Quando o primeiro
Trainspotting foi lançado, em 1996, o consumo de heroína era um notório
problema de saúde pública na Europa e nos Estados Unidos.
No Reino Unido, eram
mais de 350 mil usuários, segundo estimativas da organização britânica
DrugScope.
Hoje, são 260 mil, grande parte concentrada entre aqueles com 35 a
64 anos.
Ao retratar jovens que
compartilhavam agulhas sem o moralismo das campanhas contra entorpecentes, o
filme original foi tema até das eleições norte-americanas de 1996, quando o
senador Bob Dole, candidato do partido Republicano contra Bill Clinton, atacou
o longa por “depravação moral” e “glorificação do uso de drogas”.
No fim dos anos 1990, a
heroína não se restringia a círculos marginais, como o grupo de amigos
escoceses retratados no primeiro Trainspotting, jovens aferrados ao
seguro-desemprego e a programas de redução de danos para dedicarem-se à
“injeção intravenosa de drogas pesadas”.
Mesmo entre as bandas que
marcavam presença na trilha sonora do filme, havia diversos usuários regulares
ou eventuais do opiáceo, como Donna Matthews e Justine Frischmann, guitarrista
e vocalista do Elastica, e Damon Albarn, líder do Blur.
No filme de 1996, a
realidade de usuários de heroína descortinava relações também viciadas:
famílias que não conversam, amigos incapazes de confraternização superior à
partilha de uma agulha ou de lucros do tráfico, a escolha sem saída entre o
consumo ou o autoconsumo.
Em
T2, a teoria de Sick Boy é posta à prova: ficamos velhos, não damos mais conta
(Foto: Divulgação).
Tema de uma campanha
antidrogas de 1980, “Choose Life” ("Escolha a vida"), o gancho do
famoso discurso de abertura do primeiro Trainspotting, não parecia oferecer
muito mais que carros, máquinas de lavar, tocadores de CD e abridores elétricos
de lata — eram os anos 1990, afinal.
Em vez do consumismo vazio, Renton defende
sua opção pela heroína para se libertar de “contas, comida, um time de futebol
que nunca ganha porra alguma e relações humanas”.
No discurso “Choose Life”
de T2, as referências de consumo são atualizadas para Facebook, Twitter,
Instagram e outras referências da cultura digital, mas distanciar-se da heroína
não significa apenas integrar um mercado consumidor.
O lema escapa à ironia:
nesse filme, o protagonista "escolhe a vida" ao encarar os erros do
passado.
A busca tardia de Renton
de reabilitar relações humanas feridas amplia o escopo de dilemas do primeiro
filme, reduzidos a uma escolha entre vícios lícitos ou ilícitos.
Para além de
agulhas compartilhadas, os amigos querem pôr suas relações a limpo.
Em Trainspotting 2, Renton
assume a posição de “turista de sua própria juventude”, uma condição que se
estende para os fãs do primeiro filme.
Flashes de cenas do longa de 1996
combinam-se com imagens do protagonista e seus amigos durante a infância.
Há diversos personagens
revisitados nessa sequência, como Diana (Kelly Macdonald) e o traficante Mikey
Forester, interpretado por Irvine Welsh, autor do livro Trainspotting e de
Porn, sequência que serviu de base ao novo filme.
Os personagens despem-se
de estereótipos.
Ao conhecermos suas relações familiares, Francis Begbie (Robert
Carlyle) torna-se mais humano, mas não menos intimidante.
Ewen Bremner empresta
uma persistente ingenuidade a Spud, aprofundado nessa sequência para além de
cenas de humor e escatologia, embora elas ainda estejam presentes.
Tema de abertura do
primeiro filme, o clássico “Lust for Life” surgia como uma sugestiva ironia:
enquanto Iggy Pop cantava que estava “cansado de dormir na calçada destruindo
seu cérebro com bebidas e drogas”, Renton e Spud corriam da polícia após roubarem
uma loja para financiarem seu vício em heroína.
Neste filme, Renton veste a
carapuça dos versos da música, repaginada por um remix do grupo eletrônico
Prodigy.
“Você é um viciado, então
seja viciado em outra coisa”, resume o velho "Rent Boy".
Trainspotting I - Escolha a vida.
Escolha uma vida.
Escolha
um emprego.
Escolha uma carreira – escolha uma família!
Escolha a porra de uma
TV grande!
Escolha uma máquina de lavar, carros, discman, abridora de latas
eletrônico.
Escolha uma boa saúde, baixo colesterol, plano de saúde dentária.
Escolha parcelas fixas para pagar.
Escolha uma casa – escolha seus amigos!
Escolha roupas, acessórios.
Escolha um terno feito do melhor tecido.
Escolha
bater uma punheta num domingo de manhã pensando nessa merda de vida.
Escolha
sentar no sofá pra ficar vendo programas de auditório.
Comer um monte de
porcaria e acabar apodrecendo.
E no fim do caminho escolha uma família e filhos
que vão se envergonhar de você por causa desse sentimento egoísta de que você o
pôs no mundo pra substituí-lo.
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