Como está a Máfia 25 anos
após o atentado que matou juiz da 'Lava Jato' italiana.
Pablo
Esparza
Especial
para a BBC Mundo
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O
juiz Giovanni Falcone (centro) morreu em 23 de maio de 1992 num atentado da
máfia Cosa Nostra.
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Quinhentos quilos de
explosivos ocultos sob o asfalto explodem três carros blindados no quilômetro
4,7 da rodovia que liga o aeroporto à cidade siciliana de Palermo, na Itália.
São 17 horas, 56 minutos e
48 segundos do dia 23 de maio de 1992.
O resultado: cinco mortos, incluindo o
juiz Giovanni Falcone, alvo do ataque.
Dois meses depois, no dia
19 de julho, às 16h58, um carro-bomba põe fim à vida de seu colega Paolo
Borsellino e de mais cinco pessoas na Via D'Amelio, na mesma Palermo.
Desde então, os nomes de
Falcone e Borsellino tornam-se um símbolo trágico da luta contra a máfia na
Sicília.
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Cenário
de destruição após atentado que matou o juiz Falcone.
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Seus funerais levaram
milhares de sicilianos às ruas de Palermo numa mobilização de repúdio ao crime
organizado na ilha italiana.
"Não os mataram, suas
ideias caminham sob nossas pernas".
A frase se que lia nos cartazes de
sacadas da capital siciliana naqueles dias se tornou um lema.
Mudança radical
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"E
agora matem todos nós", diz bandeira que levam ativistas antimáfia em
protesto de 2007, em Palermo.
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As mortes de Falcone e
Borsellino marcaram o momento auge na estratégia de ataques empreendida pela
Cosa Nostra, a máfia siciliana do final dos anos 1980 e a princípios dos 1990
que deixou dezenas de mortos.
Também representaram uma
ruptura na percepção social da máfia.
O professor Rocco Sciarrone, sociólogo
especialista no fenômeno mafioso, se refere a aqueles ataques como um
"trauma cultural".
"Foi uma mudança
radical.
Pela primeira vez na história da Itália, a Máfia se converteu num mal
público em nível geral, em um inimigo que tem que ser combatido", disse à
BBC Mundo o professor de Sociologia da Universidade de Turim.
"Antes disso, a Máfia
ou não era combatida ou era combatida apenas por alguns setores da
sociedade", acrescenta.
No entanto, esta
transformação já tinha começado alguns anos antes graças ao trabalho de combate
à Máfia de Facolne e Borsellino, entre outros.
O episódio mais notável
foi chamado de "Maxiprocesso de Palermo", que ocorreu entre 1986 e
1987 e teve um saldo de 360 condenações e mais de 2.200 anos de prisão
acumulados em penas aos criminosos.
Foi um dos golpes mais
duros contra a Cosa Nostra até aquela data.
O enfraquecimento
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Em
2012, aos 20 anos do atentado, um monumento foi erguido em memódia do juiz
Giovanni Falcone em Palermo.
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As mortes de Falcone e
Borsellino, quatro anos depois, foram vistas como uma vingança e uma
demonstração de força com a qual a Cosa Nostra pretendia amedrontar os poderes
do Estado italiano.
Passados 25 anos, surgem
perguntas inevitáveis: a Cosa Nostra alcançou seu objetivo final?
Qual
influência e poder ela tem hoje na Sicília?
Especialistas consultados
pela BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, concordam ao descrever a Máfia
siciliana como uma organização enfraquecida que perdeu grande parte de seu
controle social na ilha.
Para Salvatore Lupo, um
dos estudiosos do tema, os atentados contra Falcone e Borsellino tiveram um
efeito paradoxal a longo prazo que, com os anos, acabou por implodir a própria
organização criminosa.
"O auge terrorista da
Máfia entre 1991 e 1993 levou, posteriormente, ao desastre (para a
organização).
Muitos líderes mafiosos terminaram na prisão.
O grande capo
Salvatore Riina foi preso; anos depois, seu sócio Provenzano também foi detido,
e contatos com os Estados Unidos praticamente foram interrompidos", disse
à BBC Mundo.
"O enfraquecimento da
Máfia ocorreu pelos erros dos líderes mafiosos, sua arrogância e o fato de ter
enfrentado diretamente a repressão estatal", afirma o professor de
História da Universidade de Palermo.
A pressão policial, a
criação de novas leis antimáfia (como a proteção de delatores e o confisco de
bens mafiosos) foram ferramentas cruciais na mudança.
No Brasil, o juiz federal
Sérgio Moro já comentou se inspirar em Giovanni Falcone, que também se baseou
nas confissões dos chamados "arrependidos", como ocorre nas delações
premiadas.
E, assim como na Lava
Jato, a operação italiana Mãos Limpas revelou nos anos 1990 casos de corrupção
envolvendo políticos, empresários e mafiosos.
Em números
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Bernardo
Provenzano, um dos chefes da Cosa Nostra, doi detido em 2006, após passar 42
anos como fugitivo.
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Os números são
reveladores.
Em 1991 e 1992, a taxa de homicídios na Sicília era de 9,7 e 8,3 a
cada 100 mil habitantes, muito acima da média italiana.
Desde então, a queda
foi constante e, em 2016, ficou em 0,7, num nível parecido ao resto das regiões
italianas.
Palermo, eleita no início
do ano como capital cultural italiana de 2018, é hoje uma cidade que tenta se
afastar da imagem ruim associada à Máfia.
Em paralelo, no mesmo
período foram detidas mais de 2 mil pessoas pela sua relação com a Cosa Nostra
e foram confiscados bens no valor de mais de US$ 4 bilhões (R$ 12 bilhões)
desde 1992.
A pressão policial
aumentou de forma considerável após a campanha de atentados dos anos 1990 e
provocou a queda de líderes da organização, que perdeu alguns de seus negócios
mais rentáveis.
A atualidade
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Restos
do carro onde morreu o juiz Falcone.
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"A Máfia siciliana
deixou de ser um ator significativo no mercado da droga.
Quando Falcone
investigava-a, a Cosa Nostra tinha um papel importantíssimo no tráfico.
Mantinha conexões com provedores turcos, teve presença em Nova York quando se
discutia o fornecimento de heroína no mercado americano na costa leste.
Tudo
isso não existe mais", explica Federico Varese, professor de criminologia
da Universidade de Oxford e especialista em máfias internacionais.
"Agora, a Máfia
siciliana compra drogas para revendê-las a nível local, mas não é um ator
internacional.
Esse papel foi assumido pela Ndrangheta, a máfia da
Calábria", afirma à BBC Mundo o autor do livro Mafia Life: Love, Death and
Money at the Heart of Organised Crime ("Vida da Máfia: Amor, Morte e
Dinheiro no Coração do Crime Organizado", em tradução livre).
Diferentemente da Cosa
Nostra, a Ndrangheta calabresa nunca realizou uma ofensiva de atentados contra
o Estado italiano.
Manteve a discrição própria das organizações que se dedicam
aos negócios ilícitos. Hoje, afirmam especialistas, é a máfia italiana mais
rica, seguida da Camorra napolitana.
Na Sicília, a contínua
pressão policial tornou difícil a reorganização da Cosa Nostra.
"Ainda
controlam parte do território da Sicília, mas com certa dificuldade. Eles têm
dificuldades na hora de arrecadar dinheiro.
E muitos de seus membros não ganham
tanto dinheiro como costumavam.
Estão com dificuldades financeiras",
afirma Varese.
"O dinheiro que
conseguem vêm através de atividades tradicionais de extorsão em troca de
'proteção'.
Mas não tanto como no passado", acrescenta.
Extorsões
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O
"pizzo", ou extorsão mafiosa, continua sendo cobrado na Sicília.
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O trabalho da sociedade
civil foi determinante.
Associações como Addio pizzo (literalmente, "Adeus
à extorsão mafiosa"), nascida em 2004 e que agrupa mais de mil
comerciantes e empresários que se recusam a pagar à Cosa Nostra, tornaram
visível o repúdio ao grupo mafioso.
No entanto, o pagamento do
"pizzo" segue amplamente praticado na Sicília.
"Como confirma a
maior parte das pesquisas sobre o fenômeno extorsivo, os empresários que
aceitam (o pagamento) são ainda a grande maioria. Mas é difícil saber quantos
pagam (propina)", explica um relatório sobre a máfia publicado pela
Federação de Associações contra a Fraude da Itália.
Para Salvatore Lupo, a
atividade mafiosa "por excelência é a da extorsão", por permitir
controlar atividades econômicas sobre um território limitado.
"A
(indústria de) construção e distribuição, os supermercados, o comércio... são
os setores nos quais a máfia opera de forma mais simples".
À manutenção das
atividades mafiosas tradicionais soma-se mais discrição na forma de atuar hoje.
Os grandes atentados e assassinatos em plena luz do dia são menos frequentes.
"A Máfia foi abatida
e enfraquecida, e isso é muito importante destacar.
Mas ela tenta se
reorganizar, na minha opinião, e uma das estratégias mais importantes é a
crescente presença da Máfia na economia legal.
É o que na Itália chamamos de
zona cinza.
Aqui o problema é a introdução de mafiosos com relações de
cumplicidade e de interesses cruzados com expoentes da economia legal, com
empresários", afirma Sciarrone.
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Em
2010, a polícia italiana confiscou armas usadas pela Cosa Nostra.
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No entanto, os limites
entre a corrupção política e econômica e as atividades da Máfia propriamente
dita nem sempre são claros.
"São grupos de
negócios que têm recursos acumulados, inclusive do passado, e que continuam
ativos em negócios que poderíamos chamar de limpos. Mas com métodos
corruptos", sugere Lupo.
O especialista define a
Máfia como uma "patologia da democracia" e insiste que os problemas e
as carências democráticas que propiciaram o surgimento do crime organizado
perduram na Sicília e no resto da Itália.
Por isso, apesar do
otimismo diante do enfraquecimento da Cosa Nostra, os especialistas concordam
que sua ruína não foi completa.
"Foi derrotada numa batalha
importantíssima.
A guerra, no entanto, continua", conclui Lupo.
post: Marcelo Ferla
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