(Jean Paul Sartre)
Essa frase de Jean Paul Sartre resume bem o que vem ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente, em um território formado por 10 bairros e 400 mil habitantes, números estes que correspondem à união do Conjunto da Penha e do Conjunto do Alemão, complxos estes que viraram, desde domingo, zonas de guerra onde esta sendo travada uma nova batalha entre traficantes e polícia.
As cenas as quais nos deparamos na televisão, em parte não são novas, aliás, já fazem parte do cotidiano carioca, de certa forma, desde a década de 70, quando da criação de grupos criminosos organizados. Traficantes impondo o seu domínio por meio da força e violência de um lado e, do outro, a polícia, muitas vezes atrapalhada e sempre mal paga, mal equipada e sucetível a corrupção, mas tentando conter esse domínio que na maior parte das vezes se demonstrou muito mais organizado e inteligente do que o Poder Público.
O fenômeno é de caos e tensão total, o que não poderia ser diferente, pois até o presente momento foram 27 mortos, 46 veículos incendiados, contando com um ônibus queimado na manhã desta quinta. Nove incêndios aconteceram entre as 20h da noite de quarta-feira (24) e o início da madrugada de hoje.
Mas desta vez a coisa se demonstra bem diferente. Temos do lado de cá a união de forças das polícias militar e civil, de Grupos de Operações Especiais como o Bope, com seus blindados famosos chamados de Caveirão, helicópteros blindados com atiradores de elite a porta das aeronaves e, pela primeira vez, em uma operação direta contra o tráfico de drogas, as Forças Armadas, que em outras situações fora rejeitada, o que acabou colaborando no aumento da tragédia final.
Desta vez esta se faz presente por meio da Marinha, que dá apoio logístico e auxilia na invasão das Vilas e morros com seus blindados M- 113, Muag e Lagarta Anfíbio, que transportam nesta guerra os soldados aliados (policiais e militares) Vila Cruzeiro acima para combater o exército inimigo, este formado pelos traficantes poderosos e seus fieis soldados.
As imagens mostravam tiros que ricocheteavam no chão, um traficante aparece sendo atingido e é levado de arrasto por um comparsa, tudo isso ilustrando o cerco e sufoco passado por estes criminosos dentro de seu próprio território.
Mas o que parece ser uma vitória avassaladora por parte do Poder Público, ao ponto de entusiasmar as pessoas que presenciam as imagens pela televisão, demonstra na verdade a saturação e o cansaço de cariocas que não agüentam mais tal situação que só piora e que não é resolvida de forma eficiente. mas não é só, o pior, ao contrário do que muitos pensam, ainda está por vir, uma longa guerra, dramática, violenta, sangrenta e real, muito real.
A operação toda, ao que parece vai ser muito mais longa do que o esperado, o que nunca é bom em uma situação assim. Digo isso baseado em uma investigação da polícia do Rio que aponta para uma articulação entre os traficantes de duas facções criminosas para uma eventual mega-ação de confronto contra a polícia e a sociedade carioca como um todo marcada para o próximo sábado, dia 27.
Sabe-se disto através de conversas entre traficantes interceptadas pela polícia onde os criminosos aparecem sugerindo ações como atirar contra as sedes dos governos estadual e municipal do Rio de Janeiro e lançar explosivos em áreas de grande aglomeração, como shopping centers na zona sul e pontos de ônibus. Essa é a situação e isso, repito, não é nada bom.
Se fala de tudo isto, mas muito pouco se fala do cidadão carioca.
Quando se compara de forma proporcional o que se mostra e se comenta na televisão sobre as operações, as trocas de tiros e outras coisas deste tipo, pouco se fala do carioca, do cidadão carioca, o bom carioca que mora nestes lugares que já, declaradamente, são zonas de guerra urbana, uma guerra dentro de um país dito pacífico e que não tem o hábito cultural de fazer parte de guerras. Quanta hipocrisia, pois agora, a realidade veio a tona e não há como evitá-la, todos nós estamos vendo.
Em uma guerra, sempre, sem exceções, o civil, o chamado cidadão “comum” é o maior prejudicado. No caso do Rio de Janeiro não é diferente, pois os bons cidadãos do Conjunto da Penha e do Conjunto do Alemão que não cometeram nenhum delito para sofrerem intervenção policial, sempre acompanhada de violência, nem tão pouco fazem estes parte do Tráfico de Drogas, mesmo assim, sem nada merecer, tem suas vidas alteradas em decorrência de algo do qual não podem evitar, assim como em uma guerra, assim como disse lá em cima Jean Paul Sartre, pois em uma guerra sempre os grandes a criam e os pequenos a pagam com a vida.
Esta guerra já tem até seu símbolo, ruim como ela, injusta como ela, um rosto na verdade, pois, dentre as vítimas está à estudante Rosângela Barbosa Alves, 14 anos de idade, baleada durante um confronto entre a Polícia Militares e traficantes ocorrido na Vila Cruzeiro, no Conjunto da Penha, zona norte do Rio de Janeiro.
Esse é sem sombra de dúvidas o maior problema desta guerra, os inocentes. A bala perdida que matou Rosângela que ao chegar ao céu só ficou sabendo do que tinha morrido por que São Pedro que a disse: “Minha filha, você foi mais uma vítima de bala perdida”. Caso contrário, fosse por ela, esta não saberia responder ao Santo homem sequer do que morreu.
Tudo muito rápido, tudo inesperado, tudo com muita dor, sofrimento, incredulidade, tudo vindo do nada, ou melhor, do nada não, mas de uma arma disparada em uma guerra, a guerra do Rio de Janeiro.
Tudo isso, a polícia, os tanques, os traficantes, a adrenalina, o sensacionalismo, tudo pode fazer com que a coisa que esta sendo feita pareça ser a certa, pareça ser a solução, pois estamos todos cansados dessas coisas, dessas invasões em nosso íntimo, a nossa segurança. Vivemos em um país extremamente violento, o mundo hoje é extremamente violento.
Mas aí pergunto a vocês todos. E nós, cidadãos desse mundo, desse país, que não fazemos o mal a ninguém, como nós ficamos diante de tamanha selvageria? Nós somos os “inocentes”.
A nós, “inocentes" caberia esperar ou não como diria Caetano, não, não deveriamos, mas também esperamos, e com isso termos nossa parcela de culpa, pois não fazemos nada para mudar certas coisas que podem ser mudadas, não alertamos, não educamos, fazemos no jeitinho, na malandragem, talvez mais inocente do que a malandragem do traficante, mas fazemos, somos egoístas.
Egoístas, pois não queremos saber e entender, pelo menos nossa maioria, que tudo tem uma origem, tudo nasce de algo, assim como todo “Rio” tem sua nascente e esta nascente tem vários nomes, como falta de oportunidade, a falta de escolaridade, a falta de expectativa de vida, a falta de sonhos, o descaso, enfim.
Um dia quando todos nós nos preocuparmos em dar, em fazer e em sermos mais do que somos, em maior quantidade, mais cultos, mais sábios, mais lúcidos e não tão somente ter uma televisão de led e olhar por esta tudo como se fosse um filme, como se não fosse a nossa realidade e sim uma ficção que termina depois de duas ou três horas de escuridão, aí sim, aí poderemos ser respeitados, aí poderemos cantar com orgulho: “cidade maravilhosa, cheia de tantos mil, cidade maravilhosa, coração do meu Brasil”, caso contrário o verde, o amarelo e o branco de nossa bandeira que hoje são representados pelo verde da maconha, pelo amarelado do crack e pelo branco da cocaína, jamais serão o verde das matas, o amarelo das riquezas e branco da paz.
Marcelo Ferla.
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